Ouvi recordar, há dias, uma historieta do Raul Solnado. O pai chama o filho e diz-lhe mais ou menos isto: “filho, tu é que escolhes, mas queiras ou não queiras, vais ser bombeiro voluntário”! Pois é assim que vivemos. Que mundo andamos a criar ou a deixar criar? Nós, adultos, que nos vemos como pessoas ponderadas e justas. A aflição invade os nossos dias. São os imigrantes no Mediterrâneo, gente fugida de guerras e da fome, são os cereais transgénicos que matam as abelhas, são as cenas de violência à volta do futebol, são os casos de brutalidade entre jovens, da menos grave à mais terrível. É a emigração massiva dos mais qualificados.
1 – Mas há outras realidades, que considero muito graves e que não nos indignam. Refiro-me aos exames nacionais dos 4º ano e do 6º ano de escolaridade. Fizemos, muitos de nós, exames de 4ª classe quando a escola para todos acabava aí. Mas agora a escolaridade obrigatória é de 12 anos. O que justifica estes exames que quase todos aceitaram? Pois é o regresso à escola do passado. Os exames são o símbolo da competição individual desde os 6 ou 7 anos de idade de cada criança. É cada um por si, para ter boas notas. Voltámos a uma escola dos eleitos e dos excluídos, que deixou de assegurar a TODOS uma educação cidadã de qualidade. Nos últimos quatro anos, a educação regressou ao passado em velocidade furiosa. Temos um dos financiamentos mais baixos da União Europeia, corta-se em tudo, nas disciplinas, nos professores, nos apoios, na inovação, na inclusão. Acabou-se, pura e simplesmente, com a Educação de Adultos.. Construir leva muito tempo. Destruir é num instante. Foi a Escola Democrática que este governou atacou. Daqui a uns anos veremos jovens ainda mais individualistas, mais competitivos e sem espírito cívico. E muitos deles sem esperança no futuro. É isso que queremos?
2 – O segundo assunto tem a ver com as últimas recomendações do FMI (até me custa escrever em maiúsculas!), a partir da sua delegação em Lisboa. Dizem eles que ainda ganhamos muito, que a função pública tem que despedir mais trabalhadores e por aí fora. Mas quem é o FMI? Por quem foi eleito? Quais os seus interesses? Esteve em pleno na Europa nestes últimos quatro anos, exigindo a destruição de postos de trabalho, a baixa de salários e de pensões, a privatização de tudo e de mais alguma coisa. O nosso Serviço Nacional de Saúde vive “anos de chumbo”, tal como na Educação. É isto que queremos? O governo convenceu-nos de que a culpa era nossa e que a “austeridade” nos salvaria. Não salvou. Portugal foi o país da Europa em que a pobreza mais aumentou, afectando, inclusive, de modo particular as crianças e os mais velhos.
É num mundo assim que queremos viver? Estamos resignados. Porquê? Não, a culpa, mea maxima culpa, não é desculpa. Falta-nos a força e a esperança. Só nós a podemos reconquistar.