É o Cartaxo uma terra feia?!

Bilhete Postal do Oeste, por Miguel Montez Leal, Investigador do IHA Nova fcsh, Instituto de História de Arte

Miguel Montez Leal

O título desta crónica é propositadamente provocatório e provocador. Quem me conhece um pouco melhor sabe como eu cultivo naturalmente o sentido de humor e adoro brincar com as palavras, as polissemias, as ambiguidades, os segundos sentidos, terceiros e quartos.

Fiquem descansados, não o é, nunca o achei, e não apenas por ser nado e crescido no coração do Cartaxo, que o bairrismo excessivo pelo torrão natal é quase sempre cego. Sou com gosto e serenidade de identidade um ribatejano, embora formalmente o Ribatejo já não exista desde 1976 e se tenha vindo a chamar Lezíria, ou Vale do Tejo, e outras denominações para poder receber e captar fundos comunitários muitas vezes mal administrados e desperdiçados, isto é, a província histórica desenhada em 1933( e que saiu da antiga Estremadura) e que durou até 1974 já não existe em nome da União Europeia de que sou um acérrimo defensor.

Quero aqui falar-vos de algo estudado há muito pela sociologia e que descreve a ideia de que quando se cuida de algo… de uma pessoa, de um espaço, de uma casa, de um jardim há uma saudável contaminação e é o que ao Cartaxo está a suceder. Após a pandemia, no centro histórico os particulares estão a recuperar os seus imóveis, a mandar pintar, a caiar, as ruas são asfaltadas, os passeios corrigidos, as ervas retiradas, a estátua do nosso maior vulto local regressa ao local donde nunca devia ter saído e todos nos alegramos com algo que parecia evidente e óbvio, mas que é maravilhoso, nos faz serenar e outra vez acreditar com alguma fé no futuro.

As estruturas públicas, pelo menos as principais, já tinham sido criadas pelas anteriores presidências, a saber, o Tribunal, os Paços do Concelho, o saneamento básico, o Museu Rural e do Vinho, os infantários públicos, o Centro de Saúde o quartel de bombeiros, o estádio municipal, algumas das previstas Etar’ s, as duas ligações ao nó da auto-estrada, que são magníficas, a Carta Educativa, a Biblioteca Municipal Marcelino Mesquita(criada em 1956) e o extraordinário Centro Cultural inaugurado, em 2005 e de que gostei desde o primeiro momento, um rasgo de modernidade e qualidade no centro da cidade, da autoria dos arquitectos Diogo Burnay e Cristina Veríssimo, aproveitando um lote de terreno pequeno e limitado.

Digo-vos, francamente, não tenho nenhuma nostalgia do velho Cine Ribatejo, austero, com bancadas de madeira desconfortáveis, só e apenas porque foi o nosso “Cine Paraíso”, numa terra com uma matriz de base relativamente modesta, e por isso alguns têm saudades também porque eram jovens, eu não nostalgia alguma desse imóvel, numa terra de lavradores, camponeses, comerciantes, homens dos ofícios e operários (uma percentagem muito pequena) e sem pretensões nobiliárquicas ou fidalgas, exceptuando talvez meia dúzia de casos em todo o concelho.

Ler
1 De 425

Este é o Cartaxo de que somos herdeiros, o Cartaxo republicano, de gente pragmática que quase parece norte-americana, que não liga a linhagens nem sabe muito bem o que isso é, e que nem é dada a salamaleques, com quase ninguém, nem com o sr. coronel, nem com o sr. bispo, nem com o sr. rico ou pretensamente rico, muito menos com o ostentatório de bens materiais.

Todos somos iguais, o sangue que nos corre nas veias é de cor vermelha, e tratamo-nos em pé de igualdade e ainda bem. A auto-estima e o orgulho de cada ser humano se não for em excesso é sempre salutar.

Foi preciso escalar um Montejunto para chegarmos aqui, mas falta ainda um pouco mais, para chegarmos ao ponto de rebuçado. Eu sei, sinto-o, e intuo-o, e sei que o Cartaxo poderá ter um futuro promissor, assim deixemos o bairrismo excessivo que divide e acantona oito freguesias e seis Juntas num universo pequeno de 23 500 habitantes, e nos deixemos também do bota-abaixismo, assim como o vislumbrar o copo sempre meio vazio, quando pode ser visto como meio cheio.

 

 

É talvez a característica portuguesa que menos gosto, o fado crónico e a lamúria sarracena, não que eu tenha algo contra os sarracenos. Na Idade Média nos séculos X e XI eram eles os sofisticados e nós uns embrutecidos com pouca higiene e de espada em punho e em riste.

O Cartaxo encaminha-se para dar certo! E a breve prazo.

* O autor não segue o acordo ortográfico.
* Fotos do autor
* Contacto do autor: bpostaldooestemiguelmontezleal@gmail.com

Isuvol
Pode gostar também