Casa de Maria Celestina Camilo Ribeiro Rocha Homem. Foi restaurada e redesenhada nos anos 50 pelo arquitecto João Simões

Opinião

É o Cartaxo uma terra feia?!

Bilhete Postal do Oeste, por Miguel Montez Leal, Investigador do IHA Nova fcsh, Instituto de História de Arte

By Jornal de Cá

October 03, 2023

Miguel Montez Leal

O título desta crónica é propositadamente provocatório e provocador. Quem me conhece um pouco melhor sabe como eu cultivo naturalmente o sentido de humor e adoro brincar com as palavras, as polissemias, as ambiguidades, os segundos sentidos, terceiros e quartos.

Fiquem descansados, não o é, nunca o achei, e não apenas por ser nado e crescido no coração do Cartaxo, que o bairrismo excessivo pelo torrão natal é quase sempre cego. Sou com gosto e serenidade de identidade um ribatejano, embora formalmente o Ribatejo já não exista desde 1976 e se tenha vindo a chamar Lezíria, ou Vale do Tejo, e outras denominações para poder receber e captar fundos comunitários muitas vezes mal administrados e desperdiçados, isto é, a província histórica desenhada em 1933( e que saiu da antiga Estremadura) e que durou até 1974 já não existe em nome da União Europeia de que sou um acérrimo defensor.

Quero aqui falar-vos de algo estudado há muito pela sociologia e que descreve a ideia de que quando se cuida de algo… de uma pessoa, de um espaço, de uma casa, de um jardim há uma saudável contaminação e é o que ao Cartaxo está a suceder. Após a pandemia, no centro histórico os particulares estão a recuperar os seus imóveis, a mandar pintar, a caiar, as ruas são asfaltadas, os passeios corrigidos, as ervas retiradas, a estátua do nosso maior vulto local regressa ao local donde nunca devia ter saído e todos nos alegramos com algo que parecia evidente e óbvio, mas que é maravilhoso, nos faz serenar e outra vez acreditar com alguma fé no futuro.

As estruturas públicas, pelo menos as principais, já tinham sido criadas pelas anteriores presidências, a saber, o Tribunal, os Paços do Concelho, o saneamento básico, o Museu Rural e do Vinho, os infantários públicos, o Centro de Saúde o quartel de bombeiros, o estádio municipal, algumas das previstas Etar’ s, as duas ligações ao nó da auto-estrada, que são magníficas, a Carta Educativa, a Biblioteca Municipal Marcelino Mesquita(criada em 1956) e o extraordinário Centro Cultural inaugurado, em 2005 e de que gostei desde o primeiro momento, um rasgo de modernidade e qualidade no centro da cidade, da autoria dos arquitectos Diogo Burnay e Cristina Veríssimo, aproveitando um lote de terreno pequeno e limitado.

Digo-vos, francamente, não tenho nenhuma nostalgia do velho Cine Ribatejo, austero, com bancadas de madeira desconfortáveis, só e apenas porque foi o nosso “Cine Paraíso”, numa terra com uma matriz de base relativamente modesta, e por isso alguns têm saudades também porque eram jovens, eu não nostalgia alguma desse imóvel, numa terra de lavradores, camponeses, comerciantes, homens dos ofícios e operários (uma percentagem muito pequena) e sem pretensões nobiliárquicas ou fidalgas, exceptuando talvez meia dúzia de casos em todo o concelho.

Este é o Cartaxo de que somos herdeiros, o Cartaxo republicano, de gente pragmática que quase parece norte-americana, que não liga a linhagens nem sabe muito bem o que isso é, e que nem é dada a salamaleques, com quase ninguém, nem com o sr. coronel, nem com o sr. bispo, nem com o sr. rico ou pretensamente rico, muito menos com o ostentatório de bens materiais.

Todos somos iguais, o sangue que nos corre nas veias é de cor vermelha, e tratamo-nos em pé de igualdade e ainda bem. A auto-estima e o orgulho de cada ser humano se não for em excesso é sempre salutar.

Foi preciso escalar um Montejunto para chegarmos aqui, mas falta ainda um pouco mais, para chegarmos ao ponto de rebuçado. Eu sei, sinto-o, e intuo-o, e sei que o Cartaxo poderá ter um futuro promissor, assim deixemos o bairrismo excessivo que divide e acantona oito freguesias e seis Juntas num universo pequeno de 23 500 habitantes, e nos deixemos também do bota-abaixismo, assim como o vislumbrar o copo sempre meio vazio, quando pode ser visto como meio cheio.

 

Casa arte nova datada de 1912, da família Ledro Henriques, descendentes dos Baptista Henriques, de alcunha os “Inverno”
Palácio da Justiça do Cartaxo
Casa de Maria Celestina Camilo Ribeiro Rocha Homem. Foi restaurada e redesenhada nos anos 50 pelo arquitecto João Simões
Igreja de São Joao Baptista do Cartaxo, originária do século XIV e reconstruída no século XVII. Faz parte da Rota de Santiago e do percurso dos seus peregrinos com concha, bordão, capa, e chapeirão
Centro Cultural do Cartaxo, 2005, arquitectura de Diogo Burnay e Cristina Veríssimo
Pormenor do friso de azulejos da casa dos Mesquita, neste caso de António da Silva Mesquita, irmão do dramaturgo Marcelino António da Silva Mesquita. A casa já vinha do tempo dos seus pais, cerca de 1840

 

É talvez a característica portuguesa que menos gosto, o fado crónico e a lamúria sarracena, não que eu tenha algo contra os sarracenos. Na Idade Média nos séculos X e XI eram eles os sofisticados e nós uns embrutecidos com pouca higiene e de espada em punho e em riste.

O Cartaxo encaminha-se para dar certo! E a breve prazo.

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