Por Carlos Galelo
Na edição de agosto deste jornal, foi noticiado que a Cartágua interpôs uma ação judicial contra o Município do Cartaxo. Pelo que nos é dado ver na notícia, cuja fonte terá sido Pedro Ribeiro, atual presidente da Câmara (PC), a Cartágua pretende que o Tribunal lhe reconheça o direito de cobrar pela água o preço (com retroativos e juros de mora) que ficou estabelecido no 2º adicional ao Contrato de Concessão (C.C.), celebrado no dia 12 de março de 2013, quando Paulo Varanda era o presidente da Câmara.
Quanto à referida ação judicial, neste momento, nada mais direi, porque mandam as boas regras que só devemos falar do que sabemos e ainda nada sei. Já quanto ao C.C., 1º e 2º adicional e proposta de um 3º, desde que tive conhecimento do Parecer da Entidade Reguladora das Águas e Resíduos (ERSAR), de dezembro de 2018, onde é feita com detalhe uma análise crítica e objetiva àquelas matérias, é um assunto que me tem tirado o sono. Creio que todos os cartaxeiros sabem e sentem que é um dossier de enorme relevo e que o interesse público não tem sido acautelado, mas estranhamente parecem apáticos. Perante uma realidade tão séria e com tanta relevância na saúde, na sustentabilidade ambiental, na economia, no bem-estar e no futuro de todos nós, temos o dever cívico de querer conhecer mais. Só devemos formar opinião depois de conhecermos as matérias de que falamos e a procura da verdade vale sempre a pena! A defesa do interessa público diz respeito a todos e a cada um de nós, e só com a verdade é que o bem comum pode e deve ser realizado.
No corpo da notícia o PC faz declarações que não ajudam a esclarecer seja o que for e podem mesmo gerar ilusão. Diz-se confiante que o Tribunal obrigue a Cartágua a seguir todas as recomendações que a ERSAR impôs. Ora, se o objeto da ação judicial não é esse, nunca poderemos esperar ser esse o resultado. O Tribunal está balizado pelo objeto da ação, não devem alimentar-se ilusões, nem criar-se expetativas vãs. Se, de facto, o PC quer, como diz querer, “que o Tribunal obrigue a Cartágua a seguir todas as recomendações que a ERSAR impôs”, qual é a razão por que não agiu ele judicialmente, em representação do Município, como lhe competia? É que é isso mesmo que lhe é recomendado num relatório de auditoria jurídica elaborado e subscrito por uma ilustre Advogada especialista nas matérias em questão, a pedido dele próprio em representação da CMC. E pasme-se! Esse relatório é de 2014, tem quase 7 anos. Para que não haja dúvidas, vou transcrever o que ali consta e que, neste caso, interessa: “Conforme referido no número anterior, por ora, e até que a aludida auditoria técnica e financeira ao contrato que recomendo seja concluída ou novos elementos me sejam disponibilizados, creio estarem já reunidas as condições para ser desencadeada, apenas, uma ação de responsabilidade civil contra o anterior executivo por prática de atos ilícitos, na qual seja reclamado o ressarcimento dos danos e prejuízos sofridos pelo Município em consequência da manifesta desproporção, em desfavor do concedente, na partilha de riscos contratualizada e revista no contrato de concessão e respetivos aditamentos.
No entanto, a aferição e liquidação do valor efetivo destes prejuízos e a qualificação como danosa dos atos de gestão praticados apenas poderá ser efetuada após conclusão da aludida auditoria técnica e financeira do contrato”.
Note-se que a subscritora daquele relatório aplica o termo apenas, porque aguardava que novos elementos lhe fossem disponibilizados em resultado da auditoria que recomendara, donde poderia extrair-se a existência de responsabilidades de outra natureza, nomeadamente “gestão danosa” e eventual possibilidade de avaliação dos danos daí decorrentes para o Município. Só que a auditoria ao contrato não se efetuou e aquele relatório não teve qualquer efeito, porque o atual presidente da Câmara assim decidiu, como podemos ver na ata nº 12/2017 da Câmara Municipal.
Mais de 4 anos mais tarde, em 20.12.2018, após ter sido publicamente conhecido o Parecer da ERSAR já aqui referido, o PC deu uma entrevista ao “Valor Local” e, pelos vistos, já não se lembrava de nada disto. Podemos ali ler: “… o autarca diz que só quer trabalhar pela “justiça” do contrato”. Temos de “ver que houve um comportamento negligente por parte das anteriores gestões da Câmara …”, refere. E mais adiante, acrescenta a entrevistadora que Pedro Ribeiro “diz-se muito à vontade politicamente, porque saiu a meio do mandato 2005-2009”. É verdade que renunciou ao mandato de vereador, mas isso só ocorreu em 26 de fevereiro de 2008 (ata da Câmara nº 4/2008), funções que exercia sem pelouros desde 14 de agosto de 2007, data em que lhe foram retirados pelo então presidente da Câmara (ata da Câmara nº 17/2007). Mas é preciso não esquecer que era vereador com pelouros (nº 2 da Câmara) quando em março de 2007 a Câmara solicitou ao Instituto Regulador das Águas e Resíduos (IRAR) o Parecer relativamente ao concurso internacional para a concessão, por um prazo de 30 anos, enviando uma versão preliminar das respetivas peças concursais. O IRAR enviou o parecer solicitado em 22 de maio de 2007, tecendo sérias considerações prévias; referindo nomeadamente que a opção da autarquia deveria ser sustentada em adequados estudos de viabilidade técnica e económica e fazendo muitas recomendações. Em 25 de junho de 2007 a Câmara deliberou autorizar a abertura do concurso e em 28 do mesmo mês, a AM aprovou aquela deliberação da Câmara. Aqueles dois órgãos, naquelas datas, também deliberaram aprovar a adjudicação à EPAL do respetivo abastecimento de água ao Município. Aquele Parecer do IRAR é muito crítico e não temos quaisquer evidências que dele, e do que foi produzido também pelo IRAR, três meses depois, tenha sido dado conhecimento a todos os membros daqueles dois órgãos referidos para tomarem, livre e esclarecidamente as aludidas deliberações.
Em 09.07.2007, a Câmara pediu novo Parecer ao IRAR, enviando o projeto de concurso destinado a publicação integrando já muitas recomendações feitas pelo IRAR. Nesta nova versão a Câmara alargou o prazo da concessão de 30 para 35 anos, sem qualquer justificação e em 31.07.2007, sem aguardar o novo Parecer que pedira ao IRAR e era obrigatório por lei, procedeu à publicação do anúncio do concurso internacional no D.R.. O IRAR, alertou para o facto de aquele ato da Câmara poder consubstanciar a violação de uma formalidade essencial do Processo administrativo em questão, contudo, ainda assim, com data de 23 de agosto de 2007, emitiu o Parecer que lhe fora pedido pela Câmara, tecendo muitas críticas àquela, nomeadamente pelo já referido alargamento do prazo de vigência do C.C., que tinha o dever de justificar; que os termos em que está enunciada a tarifa média são imprecisos; que a estruturação do tarifário como surge no programa de concurso não coincide com a vertida no Caderno de Encargos e insiste no facto de não compreender a razão pela qual se prevê a existência de fatores especiais de revisão das tarifas em 2010 e 2014, considerando que tais fatores, a existirem deveriam ser definidos pela entidade adjudicante. Foi assim que, logo no início de 2007, nasceu o C.C. e nunca mudou de rumo.
O Parecer da ERSAR atrás referido declara e demonstra que tanto no C.C., como nos seus dois aditamentos, as partes (Município e Cartágua) alteraram as propostas apresentadas em processo de concurso público em desfavor do concedente, não sendo evidente o motivo para o sucedido. O relatório da ilustre Advogada também já mencionado, produzido mais de quatro anos antes, ajuíza no mesmo sentido e especifica, tal como aquele, as situações em que isso se verifica. É claro que tal gestão das lideranças do Município produziu danos consideráveis para os Munícipes, que estão à vista de todos. Os danos são diversos e alguns bastante graves. O mais expressivo talvez seja o decorrente do 1º adicional. Constava do C.C. e assim foi concursado, que a concessionária estava obrigada a ceder gratuitamente ao concedente, anualmente, 100.000 metros cúbicos de água e ainda o custo correspondente ao saneamento até àquele limite. No 1º adicional ao C.C., aquela obrigação da concessionária foi eliminada, sem que se conheça qualquer justificação. A ERSAR considera que a eliminação daquela obrigação corresponde a um dano de 326.000 € anuais a preços de 2011, o que se traduz num prejuízo para o Município, ao longo do período da concessão, a preços de 2011, acima de 11 milhões de euros. O então presidente da Câmara tinha bem presente estes valores, porque exatamente na reunião de Câmara de 14 de agosto de 2007, referindo-se às vantagens da concessão, dizia que a água e as tarifas residuais seriam gratuitas para a Câmara Municipal e seus serviços, o que correspondia a trezentos mil euros anuais.
Quanto ao 2º adicional, por ser, ao que parece, fonte de litígio entre o Município e a concessionária, direi apenas que na reunião de Câmara de 28.02.2013, em que foi aprovado, o então presidente da Câmara, em Doc. por si subscrito, garante “… que a minuta do contrato adicional se apresenta conforme às orientações emitidas pela Entidade Reguladora do sector, entidade que não fez qualquer reparo ao seu conteúdo e expressa designadamente que está em condições de ser aprovado”. Eu não vejo onde o Parecer da ERSAR diz aquilo! O que diz, além do mais, é que o risco da procura foi assumido pelo Concedente; que se constata que o esforço financeiro da concessionária diminui de 38,8 milhões para 30,4 milhões e pede esclarecimentos sobre as alterações de cláusulas respeitantes ao financiamento e à retribuição da concessão, por serem gravosas para o Concedente. Se os esclarecimentos foram dados, não sei. Na sessão da AM em que aquele adicional foi aprovado, tudo foi discutido, menos o essencial, e até há evidências de que aquele Parecer da ERSAR nunca foi sequer mostrado aos membros da AM que aprovou aquele adicional (ata da AM nº 01/2013 – pág. 24). Parece mentira? Podem ler a ata!
Creio que se a ERSAR lesse as atas, ou tivesse conhecimento de declarações feitas a jornais pelos líderes do executivo Camarário, desde Paulo Caldas, respeitantes ao C.C., seus dois adicionais e proposta do 3º, tinha sérios motivos para se sentir deveras insultada. E a verdade é que a ERSAR e já antes o IRAR que a precedeu, dentro das suas estritas competências, assumiram bem mais seriamente os interesses dos Munícipes do Cartaxo, do que os seus líderes eleitos.
Sobre a Comissão de Acompanhamento da Concessão, que é um órgão, do ponto de vista jurídico, de grande relevo, quase nada sei e bem gostaria de saber. Há cerca de um ano que pedi, formalmente, porque verbalmente foi muito tempo antes, ao atual presidente da Câmara as respectivas atas, Ele despachou imediatamente a dizer Sim! Mas até hoje, nada!
Lembrando uma resposta que é dada no filme português, “Variações”, pela personagem que representa o cantor, a propósito de relações incomuns, também diria: é o que temos!