Após algumas semanas desde a sua saída de CEO da TAP, Christine Ourmiéres Widener vem agora pedir uma indemnização de 5,9 milhões de euros. O tribunal irá decidir da razão que lhe assiste, mas em caso positivo há várias questões que se levantam e todas elas muito sérias.
Antes de mais, após a longa novela em que se transformou o dossier da TAP, o governo garantiu que o despedimento da CEO tinha sido com justa causa e desse modo não haveria lugar a qualquer indemnização.
O problema surgiu logo na contestação da gestora ao afirmar a honestidade da sua conduta, os bons resultados operacionais apresentados e a falta de razões objetivas para haver lugar a um despedimento. Surge assim e com toda a certeza após uma longa preparação jurídica, um pedido de indemnização ao estado português. E lembremos que o valor que esteve no centro da polémica inicial foi de 500 mil euros, valor atribuído a Alexandra Reis pela sua destituição de funções na transportadora, ou seja, 12 vezes inferior ao que agora a CEO pede.
Tivemos semanas de comissões de inquérito sobre quem errou em todo este imbróglio em que a TAP de tornou e bem se pode afirmar que o velho adágio assenta bem aqui, “a montanha pariu um rato”. Mas se nada de concreto se apurou a nível de consequências políticas, havendo objetivamente atuações profundamente erradas e censuráveis por parte de demasiadas pessoas com responsabilidade governativa, o que dizer agora da indemnização e do seu valor elevadíssimo? Porque se o tribunal der razão ao pedido de indemnização, terá o estado português de pagar, sem apelo nem agravo. Ou seja, uma vez mais serão os portugueses a suportar os erros grosseiros e lesa pátria de quem deveria velar pela defesa precisamente, dos interesses nacionais, a começar pela gestão criteriosa do erário público. E aqui chegados voltamos a um tema polémico, mas necessário, a responsabilidade civil e criminal da atuação política. Porque a responsabilidade política é iníqua e em certos casos até alivia quem se viu em situações complexas. Que direito tem o governo de usar quase 6 milhões de euros para reparar erros que apenas lhe cabem a si? Sonegar às finanças públicas uma quantia para responder a uma indemnização que se prevê justa, é de uma imoralidade doentia. Porque serão os impostos de todos os portugueses a terem de suportar os erros políticos, por pura incompetência ou negligência de gestão, de uma transportadora aérea, que foi tornada pública por decisão política. Ou seja, foram decisões políticas que colocaram a TAP na condição de indemnizadora pública e foram igualmente (más) decisões políticas que geraram a queixa indemnizatória. Temos assim uma governação que não serve os interesses públicos e que ao errar limpa a sua honra com o dinheiro dos contribuintes, e que na sua larga maioria nunca voaram sequer.
O valor de 5,9 milhões de euros não pode nem deve ser comparado com qualquer outro montante destinado á TAP pelo governo. Os 2 mil milhões de euros em 2021 e os 900 milhões em 2022 são valores superlativos e que saíram igualmente dos bolsos dos contribuintes. É censurável enquanto ato de gestão é certo. A indemnização é outra loiça. Porque parte de um despedimento, de uma situação laboral e da honra e dignidade profissionais de um trabalhador, que neste caso era CEO. Estamos aqui no campo objetivo dos direitos, liberdades e garantias que a constituição protege e no campo minado das relações laborais, geradores de milhões de conflitos entre as partes nos países onde a lei e a independência da jurisprudência acontecem.
Continuando nos milhões a voar, temos ainda o dossier novo aeroporto. Um projeto que se arrasta há longos 50 anos, com localizações mais ou menos polémicas e nunca consensuais, com milhões gastos em estudos e consultorias que depois foram rasgados, pura e simplesmente. Estamos agora numa nova fase, após uma consulta de 8 localizações referenciais, mas ainda nada aconteceu. Curiosamente no decurso das tão propaladas jornadas mundiais da juventude que trouxeram ao país e a Lisboa largos milhares de jovens de todo o mundo, o aeroporto aguentou o aumento substancial de voos e não se ouviu falar em roturas. Provavelmente porque tinha capacidade para gerir tamanho tráfego. Se teve na ocasião, qual a razão de insistir num novo aeroporto quando o país está em crise profunda?
E para terminar, põe-se uma outra questão assaz pertinente. Por razões económicas, mas igualmente ambientais, França proibiu os voos com menos de 2 horas entre as principais cidades, dando primazia à excelente rede ferroviária, cada vez mais rápida, confortável e segura. Por cá temos uma rede envelhecida, cada vez mais distante da vizinha Espanha com vias e comboios modernos de alta velocidade e já adaptados à bitola europeia, enquanto nós ainda temos a vetusta bitola ibérica.
Somos um país sui generis. Não observamos nem copiamos os melhores exemplos dos nossos vizinhos europeus, insistimos em erros estratégicos que depauperam os cofres do estado sem benefícios reais e pomo-nos na dependência de Bruxelas para conseguir viabilizar a maior parte dos projetos mais ou menos estruturantes que temos em curso ou a aguardar decisões políticas. Gastamos muito e mal, mas somos os campeões na cobrança, com as taxas de impostos mais elevados do espaço euro. A sigla TAP deveria ser reformulada para Tradicionalmente Abertos a Problemas.