Economia do Vinho e Transformações urbanas. A desaparecida Travessa da Borra no Cartaxo

‘Bagos da Memória’ por Pedro Gaurim

Um dos desafios ao estudar o urbanismo do Cartaxo é compreender como a actividade do vinho – da produção, ao armazenamento e à distribuição – suscitou arranjos urbanos, numa época em que vivia lado a lado com as habitações, por isso, até finais do século XX.

Hoje valorizamos o pitoresco de vias estreitas e sinuosas, e procura-se delimitar e preservar a escala das zonas históricas, o que não aconteceu em grande parte do século XIX e XX. Alargaram-se ruas, alteraram-se declives, para facilitar o aumento de tráfego, a velocidade, fazendo-se recuar edifícios lote a lote, amputando quarteirões, etc.

Estas últimas situações aconteceram, entre as décadas de 1940 e 1950 na Travessa da Borra, hoje Travessa do Fróis. Era uma via estreita que sofreu significativas alterações, alargando-se para a construção dos armazéns vinícolas de Francisco Bernardino Nogueira (ca.1950). Amputou-se a curva definida por um muro de pátio, com um portal no acentuado gaveto, ao juntar-se com a Rua da Amendoeira (actual Combatentes do Ultramar). Numa aerofoto do piloto aviador Bernardino Nogueira* que se pode datar entre 1932 e 1937, ainda se veem estas construções.

O segundo aspecto interessante tem a ver com a designação “borra”, que pode remeter-nos para borras de vinho, talvez a hipótese mais provável. Mas, também, para borras de ferro (pode ter havido actividade de ferreiro neste local – aparece na toponímia de Santarém, Montemor-o-Novo, Anadia, etc.), ou ser corruptela de Borratém, como há em Lisboa, perto da Praça da Figueira, o Poço do Borratém, do árabe “ber” e “atten”, que significa “Poço da Figueira” (Cf. Dr. David Lopes, arabista), ou ainda, ter origem, no latim “burra”, “que significa tecido grosseiro de lã”. (Cf. Maria Luísa Azevedo, Diss. Dout., FLUC, 2005)

Pormenor de fotografia adquirida em 2005 ao Sr. Teixeira na antiga Foto Flash
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Da antiga Travessa da Borra, resta hoje um conjunto de moradas de casas térreas iguais, (algo muito característicos do Cartaxo do século XIX), com cinco habitações (Nºs  1 ao 5), com fachada de porta e janela à esquerda. É provável que esta travessa tenha tido uma das características placas toponímicas de azulejo azul e branco do Cartaxo antigo, das quais, no bairro do Arrabalde, sobrevivem a da Travessa do Frei José e a da Rua do Arrabalde de Cima, já que todas as anteriores designações foram alteradas e as placas substituídas.

Algumas localidades preservam a sua memória toponímica in loco, colocando placas com a antiga toponímia, por baixo das placas com as designações actuais, que neste caso podia ser: “Antiga Travessa da Borra, ampliada em meados do século XX”.

* A semelhança de nomes é mera coincidência.

Artigo publicado na edição de julho do Jornal de Cá.

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