A educação pública em “privado”

Opinião de João Fróis

Sou um defensor da Escola pública. Assumidamente. Este é um dos pilares essenciais da ação do Estado que não pode nem deve abdicar da sua manutenção capaz e ao serviço da melhor formação dos alunos.

Se perguntarmos ao comum contribuinte onde entende que os impostos que paga devem ser aplicados, invariavelmente as respostas coincidem na Saúde, Educação e Justiça, sendo esta última um caso especial pela sua independência funcional.

É dever do estado criar, manter e fazer evoluir o sistema de ensino que propicie a formação dos seus cidadãos. Dignificar todos os professores e funcionários que formam os profissionais de amanhã e dotar as escolas de autonomia na sua gestão, permitindo-lhes diversidade nos métodos e criatividade no apelo que fomentam junto dos seus alunos.

Mas a escola pública tem de evoluir e responder aos novos desafios que as novas tecnologias nos trazem e tornar o ensino mais flexível e ajustado aos conceitos e necessidades presentes e futuras. O mundo está a mudar a passo largo e a escola tem de estar a par, senão à frente, antecipando cenários e propondo novas visões e abordagens aos temas que melhor servem as profissões do futuro. Sendo mais apelativa e estimulante para os alunos, criando paixão e entusiasmo.

No entanto a escola serve os alunos e depende dos ratios existentes. Existem hoje menos jovens porque desde há largos anos a natalidade vem a cair e, como tal, temos hoje escolas meio vazias e outras, mais interiores, fechadas por falta de alunos.

Ora, face a esta realidade preocupante, a famosa lei da associação, que em tempos foi implementada para fazer face às lacunas da escola pública, promovendo a complementaridade do ensino nas escolas privadas, perde o seu sentido e pertinência.

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Ajustar os parques escolares ao número de alunos é fulcral e tendo que decidir quem fica, a escolha óbvia é a escola pública. Os privados podem e devem existir mas com meios próprios, com as prestações dos pais que fazem essa escolha e não a expensas do estado, que somos todos nós, contribuintes.

É bom ter presente o que significa “privado”. Abordagem empresarial, negócio, investimento, lucro. Toda a iniciativa privada visa o lucro e enjeitar esta realidade é distorcer o essencial. Se alguém opta por colocar os seus filhos numa escola privada está no seu pleno direito e irá pagar por esse serviço. Essa mesma escola não pode é querer o que os nossos ancestrais bem vincaram de “sol na eira e chuva no nabal”. Receber do estado dinheiros públicos para manter o ensino operacional e simultaneamente receber as prestações mensais, geralmente elevadas, dos pais dos seus alunos.

As opções têm de ser claras. A aposta em melhores escolas, melhores professores e melhores conteúdos, deve ser pública. A educação não pode nem deve ceder a interesses privados, sob pena de fomentarmos fenómenos que ninguém assume, mas que são conhecidos de todos, os melhoramentos de médias dos alunos de escolas privadas face aos seus congéneres das públicas!! Quem nunca ouviu “em surdina” um qualquer pai que tem o(s) filho(s) numa escola privada de “prestígio” afirmar que paga para que os seus possam “ter” as melhores notas e chegar melhor posicionados aos exames e acesso à faculdade?

De uma forma clara. Escola pública: paga pelos nossos impostos e pelas propinas anuais determinadas para cada estabelecimento de ensino, curso e condição específica do aluno. Escola privada: paga pelos contraentes que fazem essa opção. A partir daqui acabam-se as polémicas e tudo fica claro.

Naturalmente existem casos particulares e honrosas excepções nestas atribuições de dinheiros públicos a instituições privadas. Existem as de solidariedade social, de cariz semipúblico, as que prestam serviços de qualidade em áreas onde o Estado não tem investido. Sim, como em todas as excepções, que confirmam a regra, devem ser vistas caso a caso e ser analisadas em todas as suas especificidades e interesse, enquanto prestador de um serviço público.

No essencial as regras devem ser definidas, sem zonas cinzentas, sem alçapões nem conceitos indeterminados que acolham interpretações várias. Temos de defender a escola pública e o melhor ensino para todos. E para tal podemos começar por acabar com o trabalho de fundo para estatísticas, que colheu muito apoio nos primórdios da nossa presença na UE. Se queremos qualidade temos de ser exigentes e ter a coragem e frontalidade de assumir que nem todos têm, podem e devem ser “doutores”. O exemplo tem de vir de cima e essa mentalidade provinciana e elitista tem de ceder aos melhores interesses dos alunos e das suas reais capacidades e orientações profissionais. Apostar fortemente em formação técnica, em cursos intermédios e ajustados à realidade do nosso mercado é imperioso. Assim como definir períodos largos de vigência dos livros escolares de pelo menos três a cinco anos. Não podemos alimentar as editoras, todos os anos, com livros praticamente iguais e capas diferentes e tornados obrigatórios. Quem assim decide que pague as suas opções. Os pais não querem nem podem continuar a alimentar empresas privadas que vivem do sector público. Há, com certeza, outras formas de, racionalmente, defender os interesses de todas as partes envolvidas.

Haja coragem e seriedade na gestão da escola pública e do ensino em geral. Não cedendo a sindicatos nem a chantagens, antes criando políticas sustentáveis, dignas e que decididamente possam ajudar a criar os melhores profissionais que todos ambicionamos, capacitados para renovar o parque empresarial nacional, contribuindo para o seu sucesso e viabilidade futura.


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