Nersant Núcleo Cartaxo
Paulo Neves vice-presidente
Rogério Travessa tesoureiro
Jorge Pisca presidente
Empresários e gestores ajudam-nos a traçar o retrato da nossa vida económica e empresarial, no momento em que mais uma edição da ExpoCartaxo abre as suas portas ao público
Reportagem
Luís Rosa-Mendes
Numa época em que a economia desempenha um papel fundamental na vida de todos nós é importante sabermos um pouco mais da economia do nosso concelho. O cidadão comum, não só pela sua experiência pessoal, como pelo verdadeiro bombardeamento diário de notícias sobre a crise, o desemprego, as subidas de preços, as dificuldades que as empresas atravessam é capaz de definir a vida empresarial do concelho num simples “isto está mau”. Não estará muito longe da verdade. Apontando os mais variados motivos e usando linguagem mais técnica, essa é no fundo a opinião de todos os especialistas, empresários e economistas com quem falámos.
Quando pretendemos saber qual tem sido a evolução do tecido empresarial nos últimos anos a resposta é unânime: “Não se nota evolução. Pelo contrário” diz Paulo Neves, empresário, “têm fechado muitas empresas”. Com efeito, se no ano de 2013 fecharam 24 empresas e foram constituídas 40 novas sociedades, até setembro de 2014 a situação alterou-se com 50 encerramentos compensados por apenas 28 novas empresas. “O concelho está como o país”, diz-nos Jorge Pisca, empresário e presidente da direção do núcleo do Cartaxo da Associação Empresarial Nersant. “Abriram mais empresas do que as que fecharam em 2013, mas isso não significa maior volume de negócios nem postos de trabalho. Uma empresa que fecha pode gerar pequenas empresas, porque alguns dos funcionários abriram os seus pequenos negócios, mas todos somados não chegam, nem de perto, ao volume de negócio da empesa que fechou.” Paulo Neves acrescenta que “outro indicador nacional é a dificuldade de as novas empresas durarem mais de dois anos. São raras as que passam esta meta”.
Começando pelo princípio, o da formação das empresas, os nossos interlocutores são categóricos em destacar as maiores dificuldades que se colocam a quem pretende levar por diante um projeto empresarial. “É um risco muito grande, com regras sempre a mudarem”, assegura Jorge Pisca “e há a dificuldade em obter crédito junto da banca. Os empresários hoje não discutem as percentagens dos juros. Vai-se à banca e pede-se e já é uma grande vitória quando nos emprestam dinheiro. Isto para não falar da dificuldade que se encontra para exportar. Antigamente era fácil segurar a nossa exportação. Hoje é uma dor de cabeça, A par das garantias bancárias que são exigidas”, conclui.
Rogério Travessa, empresário na área da metalomecânica, lembra que um dos maiores problemas que as empresas hoje vivem, tanto as novas como as que se estão a constituir, se prende com “os pesados impostos que se pagam ao Estado”. E acrescenta: “há uns anos trabalhávamos nem que fosse de sol a sol, mas víamos resultados. Hoje em dia não é assim. Sobra pouco dinheiro para as empresas e é necessário recorrer ao crédito e é aí que começam as dores de cabeça”.
Crise e dificuldades à parte, qual é afinal o volume de negócios gerado pelas empresas do concelho? Os últimos dados disponíveis (Pordata) remontam a 2012 e dizem-nos que nesse ano existiam 1918 empresas com um volume de negócios total de mais de 400 milhões de euros. Nestes dados não se incluem os números da agricultura, que se acredita ser o maior setor de atividade do concelho, por estes estarem ligados a áreas geográficas mais extensas e não haver elementos referentes apenas ao Cartaxo. Assim, ficamos a saber que o setor do comércio por grosso e a retalho é que reúne maior número de empresas, 535, com 1430 pessoas ao serviço, que geram negócios no valor de 135 milhões de euros. Resultados que ficam aquém dos 195 milhões que as 148 empresas do setor das indústrias transformadoras geram, empregando 1125 trabalhadores. Como curiosidade refira-se que as empresas de construção eram, em 2012, igualmente 148, mas empregavam apenas 348 trabalhadores e geravam 15 milhões de euros de negócios. Outros dados dizem-nos que as empresas de Consultadoria, científicas e técnicas são 192 (324 trabalhadores), as de atividades administrativas e serviços de apoio 237 (478 trabalhadores) com receitas de 5,3 milhões 4,8 milhões respetivamente. Um setor que merece referência especial é o da restauração e alojamentos. Contam-se 158 estabelecimentos de restauração e hotelaria que faturam 8,3 milhões de euros e criam 344 postos de trabalho. A gastronomia do concelho recomenda-se.
De entre todos os setores de que obtivemos dados, talvez o que mostrou mais preocupações em relação ao futuro seja o do comércio a retalho. É notório o desaparecimento de inúmeras lojas, sobretudo no centro da cidade. Frederico Guedes, dono da centenária Drogaria Guedes, situada na rua Batalhoz (ver artigo na pág. 20) aponta aos responsáveis autárquicos erros que comprometeram o comércio tradicional. “Aconteceu o disparate de cortarem a estrada nacional e depois o terem autorizado uma proliferação de grandes superfícies. Houve o secar da componente do comércio local. Sabemos que as administrações dessas empresas têm as suas sedes fora de Portugal e não é no concelho que deixam impostos. Mesmo o mercado de trabalho que geram é muito precário. Quando viajei pela europa reparei que em países como a Áustria há centros comerciais fechados ao fim de semana para dar lugar à procura pelo pequeno comércio de bairro” desabafa Frederico Guedes.
Também Paulo Neves refere como grave erro o corte da Estrada Nacional e a quantidade de grandes superfícies comerciais “Isso sempre foi uma estratégia política” afirma “ Não sabiam que as grandes superfícies que foram autorizadas no Cartaxo iam matar o comércio tradicional? Deviam ter pensado nisso”. Para este empresário, que além de vice-presidente da direção da Nersant no Cartaxo também é vereador, “o sentido de trânsito da rua Batalhoz é uma falsa questão. A verdade é que o comércio local tem de se modernizar. Há que criar uma identidade e uma marca própria, mesmo no comércio, que marque a diferença. Deviam criar novos modelos de trabalho. Fazer entregas ao domicílio ou diversificar os horários, por exemplo”. Mas, no entanto, Paulo Neves confessa: “se tivesse uma loja na Batalhoz também não sei o que faria. Tinha que pensar muito bem no assunto”.
Mas então, qual o caminho a seguir pelas nossas empresas ou pelas que se vierem a instalar no concelho, quisemos saber. Os três responsáveis da Nersant, não hesitam em apontar a formação como um dos passos a dar de imediato até porque implicam projetos “a mais de dez anos até darem resultados práticos”.
Na nossa associação, em Santarém, o empreendedorismo começa no 1º ciclo. As escolas, muitas vezes, fazem turmas e direcionam-se para a parte académica sem se preocuparem se os alunos quando acabarem o curso vão encontrar emprego ou não. Nós temos programas a funcionar junto de escolas que promovem esse tipo de ensino vocacionado para o mercado de trabalho e as empresas. No Agrupamento Marcelino Mesquita esse trabalho já começou a ser feito, embora timidamente, a partir do 3º ciclo. E já obtiveram resultados. No ano passado uma turma do Cartaxo ficou em 3º lugar num concurso de empreendedorismo e este ano alcançaram o 1º lugar”, conta-nos Jorge Pisca. Paulo Neves é perentório: “Isto resume-se a uma coisa: faltam-nos escolas comerciais e industriais. Na nossa região estamos bem servidos com a escola de Tremês, mas não chega, embora na secundária do Cartaxo a direção do Agrupamento esteja no caminho certo, a promover cursos profissionais vocacionados para marketing ou eletricidade”. Jorge Pisca acrescenta que ainda há muito caminho a percorrer. “Essa colaboração nunca foi muito explorada, talvez por desconhecimento dos responsáveis políticos.” Reforçando esta ideia, Rogério Travessa, tesoureiro da Associação, fala da sua experiência pessoal. “Sinto falta de pessoal técnico. Ando há anos a investir em modernas tecnologias e tenho um grande problema de encontrar técnicos para trabalhar aquelas máquinas. Os jovens que para lá vão, ou não sabem o que fazer ou não se interessam”, desabafa. Jorge Pisca finaliza com uma curiosa perspetiva pessoal: “hoje falta muito a essência. Quem trabalha na terra sabe o valor do cheiro da terra. Mas hoje perdeu-se a identidade em muitas áreas de trabalho. Deixaram de se fazer visitas de estudo a empresas como as de metalomecânica. Falta a essência que é o cheiro. Isto é como vermos um jogo de futebol na televisão ou num estádio. É diferente! Na agricultura, por exemplo, já se começam a fazer as feiras no campo. Não é por acaso. Veja-se o caso da Agroblobal que é hoje uma referência a nível mundial”.
Como primeira conclusão desta conversa verifica-se então que a primeira grande aposta é na formação dos jovens. Paulo Neves concorda e lembra que “na Câmara há um instrumento muito importante que é o CADEC. (Centro de Apoio e Desenvolvimento Empresarial do Cartaxo), uma parceria entre a Câmara e a Nersant. Ninguém fala nisso. É um protocolo para a criação da Escola de Negócios, que está parada, mas também poderá ser fundamental para a internacionalização das empresas do Cartaxo e podia ser um veículo de contratação de fundos comunitários”.
Não estamos então a aproveitar todos os recursos que temos? “Não”, responde-nos Jorge Pisca salientando que “nas últimas décadas não houve investimento camarário que criasse infraestruturas. A Câmara fez investimentos na área do lazer mas na área empresarial muito pouco fez”. Paulo Neves está de acordo. “Faltam-nos infraestruturas”, diz. “Já pensei em ir para Castelo Branco onde me dão um terreno. Ou para o interior onde também me dão um terreno. Aqui não existem espaços físicos para as empresas se instalarem. Temos o Valley Park para onde não é fácil ir, o Casal Branco que está como está. Até a zona industrial de Vila Chã foi alvo de um processo mal conduzido. Deixaram que se tomasse posse plena dos terrenos. Os terrenos foram vendidos baratos e agora estão lá, têm dono, mas as empresas não se podem instalar. Foi um processo politicamente mal conduzido” diz o empresário concluindo que “para chamarmos pessoas para cá temos de deixar de ser um dormitório. Durante vinte anos fomos direcionados para ser dormitório, nunca fomos direcionados para as empresas”. Com isto, os nossos interlocutores garantem que os empresários “não querem que lhes deem nada palpável, só precisam que os ouçam e que lhes sejam dadas oportunidades”. E é Paulo Neves quem resume a conversa: “O Cartaxo e a sua vida económica têm futuro se deixarmos de pensar politicamente e passarmos a pensar em grupo”.