Escolher Morrer vs. Viver

Por Paula Almeida e Silva

Este artigo de opinião não tem carácter religioso ou político, apenas quero centrar-me na questão Humanista e Social.

Não sou de todo contra quem decide morrer, logo não estou contra a despenalização da Eutanásia. No entanto, preocupa-me bastante o bem-estar de quem decide viver até ao fim, e até, quem decide morrer em casa e “em família”.

É nesta minha preocupação que decidi escrever este artigo, pois não vejo o Estado preocupado com o investimento em cuidados continuados (estruturas de convalescença, recuperação ou situações de dependência, promovendo a autonomia física e social através da reabilitação da pessoa doente), e em cuidados paliativos (cuidados de saúde que melhoram a qualidade de vida do doente quando já não existe opção terapêutica, ajudando na dor e na dignidade do doente até ao fim de vida, acompanhando também a família). São estas estruturas de saúde que ajudam o doente a fazer o seu testamento vital (decidir o que fazer com a sua vida/morte) ajudando, ao mesmo tempo, a família, principalmente na decisão do doente.

Será que estamos a começar ao contrário? Será por mera questão economicista? Pois, todos sabemos que o Estado vai gastar muito menos dinheiro com a Eutanásia do que na aposta nestes cuidados especializados de saúde.

Atualmente, os cuidados paliativos permitem a “morte assistida” sem dor, sofrimento e com dignidade, mas onde estão?

Para informação, no Cartaxo temos equipas fantásticas, pluridisciplinares tanto de cuidados continuados como de cuidados paliativos, integrados na Rede Nacional. Basta os familiares ou acompanhantes do doente dirigirem-se ao Centro de Saúde. Já pedi a sua ajuda para casos pessoais, e como farmacêutica, já referenciei várias famílias. Todos foram assistidos por estas equipas com muita dignidade, humanismo, profissionalismo, permitindo que a nossa população seja assistida na dor, sofrimento e em bem-estar até ao fim da vida. Dão conforto aos doentes e aos seus familiares, dando dignidade à escolha do doente pelo testamento vital.

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Infelizmente, a nível nacional os cuidados continuados e paliativos são muito escassos e, nalgumas zonas, inexistentes, chegando-se mesmo à situação desumana de uma grande diferenciação socioeconómica. Isto é, quem tem dinheiro tem acesso privilegiado (pois podem recorrer a instituições de natureza privada, sem precisarem da comparticipação do Estado), enquanto os que não têm possibilidades económicas, e precisam da comparticipação do Estado, são lançados à morte com dor e até mesmo à indignidade do fim da vida.

Se pensarmos em instituições dependentes de comparticipações do Estado, quando os doentes estão “estabilizados” mandam-nos para casa, pois é necessário libertar camas. E a família? Quem se responsabiliza? Quem sabe tratar do doente? E quando não há familiares? E quando os familiares têm de trabalhar para pagar as despesas, ou não têm condições de alojamento, de saúde e psicológicas para estes doentes?

Como farmacêutica é isto que eu vejo todos os dias, principalmente nos grandes centros urbanos, e quando “apelamos” à ajuda, a resposta é sempre a mesma “…não há vagas”. Aqui começam as minhas dúvidas e a vergonhosa discrepância social!

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) – saúde é o bem-estar físico, mental e social. Será que existe equidade na saúde? Onde é que ela está? Como se pode começar pela Eutanásia, sem primeiro construir estruturas de saúde que ajudam o físico, a mente e o social? Não estaremos a ser miserabilistas, pensando primeiro na morte e deixarmos a vida para que “cada um se desenrasque”? Ou, será isto apenas economia para o Estado?

Como pessoa e profissional de saúde:

  • Já vi muita gente a morrer na agonia monstruosa da dor e sofrimento, sem nenhuma dignidade.
  • Já vi muita gente a querer morrer com dignidade e paz.
  • Já vi muita gente a querer morrer em casa com a família.
  • Já vi muita gente a pedir a morte por não aguentar tanta agonia.

Na minha opinião, deveríamos ter começado pela dignidade da Vida, pois tudo o que nasce morre um dia, mas devemos morrer com a nossa dignidade e com liberdade de opção.

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