Não querendo ser um velho do Restelo, correndo, no entanto, o risco de o ser e sem qualquer problema em espelhar o Velho do Restelo que há em mim ao partilhar esta preocupação, estou genuinamente preocupado com a actual falta de noção dos actuais gestores de conteúdos.
A primeira preocupação nasce para com os gestores de conteúdos profissionais, aqueles que gerem conteúdos em televisões, jornais, revistas, etc, no entanto a preocupação alastra-se porque hoje todos somos gestores de conteúdos no nosso facebook, instagram ou nos nossos blogs e a falta de noção que é demonstrada diariamente por todos é verdadeiramente assustadora.
Todos conhecemos a famosa frase popularizada por Andy Warhol “In the future, everyone will be world-famous for 15 minutes” (distribuída em 1968 num folheto de uma exposição na Suécia, sendo que segundo o crítico Blake Gopnik, a frase é atribuida ao curador Pontus Hultén) e agora, cada vez mais verdadeira que nunca, desde celebridades fast food, a escândalos políticos até memes, tudo é caso para quinze minutos de fama por todo o mundo.
Este nosso cantinho à beira mar plantado não é excepção e de dia para dia vê-se escalar assustadoramente a total falta de noção na promoção de casos que não têm qualquer interesse, de figuras que não pertencem à esfera pública ou de assuntos que de forma alguma devem ter a projecção que alcançam, sobretudo porque outros assuntos, pessoas e acontecimentos são deixados para trás e porque os assuntos, pessoas e acontecimentos que são tratados em pé de igualdade que esses outros nas televisões, jornais, revistas e rádios perdem toda e qualquer importância.
Não é possível tratar da mesma forma o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro ou a Dª. Madalena Menezes e o seu irmão… Assim como não é possível que a mesma Dª. Madalena Menezes tenha sido convidada para dois programas da manhã em dois canais diferentes porque publicou um vídeo no facebook a fazer umas brincadeiras, deixando esses programas de fora do seu espaço muitos acontecimentos culturais, desportivos, etnográficos, etc que se fazem por todo o país. (Quem não sabe quem é a senhora a que me refiro com uma rápida pesquisa ficará a saber) Atenção que a Dª. Madalena e o seu caso merecem todo o meu respeito, assim como todas as outras pessoas, mas é um assunto que interessa à sua família e aos seus vizinhos, não é um assunto da esfera pública e estes programas ao enaltecerem estas figuras, assim como depois todos os que a partilham nos seus facebooks porque “olhem para esta”, “que maluca”, pois, mas não partilhem, não é assunto para enaltecer, é assunto lá de casa.
E o mesmo se passa com as Marias Leais da vida e as Romanas de Oliveira. Não, não são casos extraordinários de novos artistas que se devam divulgar.
É claro que nos nossos facebooks cada um faz o que quer, mas é essa divulgação, essa gestão de conteúdos que cada um faz, que populariza o que não merece ser popularizado. Mas o mais preocupante é o caso dos profissionais que o parecem fazer pensando apenas no share e na piada fácil à custa das figuras que aparecem e não pensando no público que estão a formar, no nível que têm vindo a baixar, e em todos aqueles que trabalham duro para merecerem um espaço onde divulgar o seu trabalho e não o conseguem porque não são anedotas.
Por outro lado esta formação, ou antes, esta deformação, tem vindo a contribuir e muito para a criação dos vários comentadores de bancada que agora nos seus facebooks e sem a mínima reflexão, sem qualquer estrutura, atiram estocadas aqui e ali porque também eles querem os seu quinze minutos de fama, (ora porque não?), basta ver o spot da NOS que anuncia a ida do Nuno Markl até à Comic Con e o chorrilho de comentários extraordinários que se seguem a esse spot, todos a aguardarem os seus quinze minutos de fama e um telefonema do programa da manhã.
- Artigo publicado na edição de setembro do Jornal de Cá. (o autor escreve de acordo com a antiga ortografia)