Opinião de João Fróis
Escrevo no exato dia das eleições norte-americanas, dia D para mudar o rumo ou reconduzir Trump à frente dos EUA.
Não escondo as minhas opções, que são, sem qualquer dúvida, Joe Biden. Como aliás desconfio que suceda com a maioria dos não americanos, pelo mundo fora. A exemplo do que aconteceu com Barack Obama, o preferido a nível mundial enquanto líder da grande potência económica e militar, baluarte dos equilíbrios planetários num mundo em mudanças aceleradas.
Donald Trump reflete uma certa América. Aquela que se revê no hipnótico “american dream” e na busca incessante pelo sucesso a qualquer preço, não olhando a meios para atingir os seus fins e que invariavelmente estão ligados à obtenção do lucro, do conforto máximo e da segurança contra os inimigos corporizados em todos os que são diferentes, sejam afro-americanos, hispânicos, asiáticos ou europeus.
Aqueles que compram armas e veem nelas a sua primeira proteção contra quem ouse pôr em causa as suas propriedades, o seu estilo de vida e a sua pessoa. E que, como temos assistido, incrédulos, em imagens amplamente difundidas continua a ser a resposta policial antes de qualquer pedagogia. Atirar primeiro e perguntar depois é o lema desta América branca, xenófoba e egoísta, sectária e intolerante e que continua a alimentar o ódio, o racismo e a violência. Os movimentos de extrema direita colados á ideologia do Klu Klux Klan estão vivos e em crescendo, no seio de uma América cada vez mais multicultural e multiétnica, em que a língua castelhana abrange já largas dezenas de milhões de cidadãos dos EUA.
Olhamos esta realidade do enorme país federal e somos puxados a debruçar-nos sobre a história e os caminhos que desbravaram este imenso continente que recebeu o nome do navegador e cartógrafo italiano Américo Vespucci. Foi em sua homenagem, pelos seus mapas detalhados e informações sobre o que ia vendo nos séculos XV e XVI, ao serviço das cortes portuguesa e castelhana, que as terras deste novo mundo receberam o seu nome.
Mas não foram estes ensinamentos que vingaram no país que se havia de formar após a independência da coroa britânica, em 1776, na cidade de Filadélfia.
A carta saída da pena de Thomas Jefferson e ratificada a 4 de Julho ditava como inalienáveis a vida, a liberdade e o direito à felicidade.
Foi com base nestes pressupostos e com a sua interpretação extensiva e tantas vezes abusiva, que os primeiros colonos entraram terra dentro na América profunda, fazendo suas todas as terras onde chegavam, desprezando os indígenas que as habitavam há séculos, os índios Apache, entre outras tribos centenárias.
No oeste americano foi declarada guerra às tribos nativas pela sua resistência em abandonar as terras que eram suas até então e dificultavam a construção das linhas férreas, o baluarte do desenvolvimento no séc. XIX, assim como a agricultura e a criação de gado, e que derivou no autêntico genocídio dos povos índios, com a morte de milhões e a expulsão para terras áridas e distantes de tantos outros.
Essas feridas foram sendo amenizadas pelo tempo, mas nunca esquecidas por uma América profunda e intimamente ligada à natureza e ao equilíbrio com a ação humana.
Sendo difícil construir um paralelo com o gigantismo e complexidade dos 50 estados da federação, a verdade é que ainda hoje a guerra surda entre os ideais e identidade de cowboys e índios subsiste.
De um lado, os brancos conservadores e cientes da sua suposta supremacia étnica e que não veem qualquer problema em impor a sua lei pelas armas. Do outro uma América multicultural e étnica, com negros e hispânicos à cabeça e uma multitude de outros povos que encontraram nos EUA o destino das suas preces de uma vida melhor e que tantas vezes é sofrida, injusta e desigual. Nestes figuram também muitos brancos que não se reveem nas leis da força do velho faroeste e que Trump corporiza sem pejo.
O mundo precisa dos EUA enquanto parceiro internacional e construtor de equilíbrios entre blocos, fomentando a cooperação internacional tal como nos pós-guerra e onde ajudou a fundar a ONU.
Mas com Trump os EUA viraram-se sobre si mesmos, achando que os seus males são causados pelos demais países, sanguessugas da riqueza da ainda maior potência mundial e causadores de um declínio industrial que a China soube aproveitar com o sucesso que se conhece.
Não sabendo que decisões sairão destas eleições, espero antes de mais que na contagem dos votos e apuramento de resultados nos colégios eleitorais haja a paz que o país precisa. Para o exemplo e bem de todos.
E que, de uma vez por todas, os cowboys desistam das armas e parem de enfrentar tudo e todos na sua voragem conquistadora.
Que prevaleça não uma América “great” mas “gorgeous”, com as cores de todos os povos, culturas e diferentes expressões que a compõem.