Desde os tempos medievais que o concelho faz dela a sua festa mais emblemática.
Os latinos antigos diziam que “tempus fugit”. Vem isto a propósito do assunto que vou tratar. É que parece que foi ontem que a última se realizou e, não tarda, teremos aí uma nova Feira dos Santos.
Nas Memórias Paroquiais de 1758, escritas pelo padre Francisco Duarte de Oliveira (1) em resposta a um inquérito mandado fazer por Lisboa, o quesito 14, diz-nos que: “(…)O Senhor Rei D. Dinis vindo visitar a milagrosa Imagem concedeu fazer-se uma feira em o adro da mesma ermida e o terrado fosse aplicado para a fabrica desta o que assim sucedeu alguns anos;” e no quesito 19 é dito “Em primeiro dia do mês de Novembro de cada ano se faz a feira chamada dos Santos, ou do Santo Cristo do Cartaxo, por estar junto à ermida desta sagrada imagem,… é suposto a sua consecução seja seis dias, três franca e três cativa, não consta ao presente senão de dia e meio, e esse bem cativo, com bastante mágoa dos comerciantes, pela violência e ónus grave, que põem os cobradores do terrado movidos de conveniência própria.” Contudo e paradoxalmente, segundo o Embaixador Luís Teixeira de Sampaio, pode ter começado (recomeçado) em 1654 e terá sido a primeira feira do Cartaxo. Foi instituída na Quinta do Moinho da Fonte, que alcançou grande prestígio pelos milagres da imagem do Santo Cristo ali existente. Esta quinta pertencia aos Salazar Muscoso e passou a chamar-se Quinta do Santo Cristo ou Quinta do Senhor Jesus como ainda hoje é conhecida.
Através da leitura da transcrição das actas da Câmara Municipal feita pelo Embaixador Luís Teixeira de Sampaio (2) ficamos a saber que em 13 de Setembro 1817 pouco tempo depois da 1ª Câmara Municipal ter tomado posse, o povo pede o estabelecimento de grande feira anual nos dias 1, 2 e 3 de Setembro em vez do dia 8 de Setembro como estava projectado, para não coincidir com a das Virtudes e com o mercado mensal.
Em 1835 a feira passa a realizar-se no adro do Convento de S. Francisco do Cartaxo, depois Praça Nova e actualmente Praça 15 de Dezembro e tinha a duração de seis dias.
Por um artigo do Jornal “Ribatejo” do Cartaxo de 11 de Agosto 1895 (3) cujo director é Francisco José Pereira intitulado “Feira dos Santos” ficamos a saber que: “a Câmara Municipal mandou afixar editais prevenindo os indivíduos que costumam estabelecer barracas nesta Vila por ocasião da Feira dos Santos, de que têm de pagar imposto de terrado e fazer as requisições de terreno durante todo o mês de Outubro próximo (…) Protestamos, em nome dos interessados desta Vila, contra essa deliberação que vai acabar, decididamente, com o único mercado de certo valor que aqui havia. Assim a Câmara que devia tomar a iniciativa para a criação de novas feiras e mercados nesta Vila, que constituem um elemento fortíssimo de riqueza local, e nada tem feito neste sentido, vai estragar a única que existia. Não acreditamos que seja posta em execução semelhante medida, com que o cofre do município muito pouco lucrará e que naturalmente causará grandes prejuízos ao comércio local”.
No mesmo jornal em 18 de Agosto do mesmo ano, num outro artigo também intitulado Feira dos Santos ficamos a saber que: “Causou péssima impressão no público o facto noticiado no último número deste jornal de ter a Câmara deliberado cobrar imposto de terrado para a próxima feira, no dia 1º de Novembro. São todos unânimes em condenar esta medida, que (…) fará diminuir extraordinariamente a concorrência de feirantes, contribuindo assim para que esse mercado perca toda a importância que aqui arrastava milhares de forasteiros”.
Vem noticiado no Jornal de 1 de Setembro de 1895 que “a convite dos senhores. José Bento da Costa, Francisco dos Santos e Joaquim Dias, importantes comerciantes desta Vila realizou-se domingo pretérito, na sala do Grémio Artístico (…) uma reunião de comerciantes, industriais e proprietários desta Vila com o fim de protestarem contra o imposto de terrado que a Câmara deliberou cobrar aos feirantes. A assembleia correu muito animada (…)”. Foi decidido nesta reunião apresentar à Câmara Municipal um pedido para revogar esta decisão.
Provavelmente o pedido dirigido à Câmara foi atendido, porque em 27 de Outubro ainda o mesmo jornal noticia que: “Promete ser muito concorrida este ano a Feira dos Santos. Na secretaria da Câmara têm-se feito já muitas requisições de terreno para armar barracas. Se o tempo se conservar bom, teremos tês esplêndidos dias de festa”.
No mesmo jornal é também anunciado que: “nos dias um e três de Novembro próximo, por ocasião da feira anual realizam-se na praça de touros desta Vila duas magnificas touradas, promovidas pelo conhecido empresário Calhamar Pinto e Silva. Para estas duas corridas há comboios de Lisboa a preços reduzidos, por 400 réis ida e volta. Com todos estes atractivos é natural que no dia 1 tenhamos no Cartaxo, grande concorrência de forasteiros”.
No livro de licenças da Câmara Municipal entre 1898 a 1900 encontram-se vários pedidos de licenças para instalação de barracas na Feira dos Santos o que nos permite fazer a reconstituição desta ao longo daqueles anos.
Além do negócio que nelas se fazia, vidros e louças, fazendas, ourivesaria, vinhos, comidas e fato feito, havia também nestas feiras grande profusão de divertimentos, teatro-barraca, teatro de fantoches, teatro-infantil, bilhar chinês, escola de tiro, jogo do loto, etc., etc., que se realizavam nas correspondentes barracas cujo número foi aumentando gradualmente, sendo que em 1898 foram pedidas 47 licenças, em 1899, 52, e em 1900 subiram para 66. Sofrendo embora algumas vicissitudes, há que louvar o espírito persistente das gentes do Cartaxo que não deixaram que morresse um evento que já vem dos tempos medievais.
Texto da autoria de Maria Manuel Simão, publicado na revista DADA nº52, edição impressa de outubro de 2014. Fotos cedidas por Memórias Fotográficas do Cartaxo
*Foto em destaque: Cartaxo, 1 de novembro de 1936, Largo Vasco da Gama.