Por Vânia Calado
Passam uns pelos outros no mesmo andar de todos os dias. Passos arrastados, corpo quebrado do trabalho que não conhece descanso e um suspiro mal disfarçado que aquele corpo que por ali vai nunca conheceu outra vida. Andam com aquelas mazelas há tanto tempo que já nem notam. As dores que lhes vão moendo os passos, os joelhos que os avisam das mudanças de tempo, o coxear sempre que se levantam, as costas que demoram a endireitar. Todos os dias a mesma vida, tão conhecida que já nem se lembram do tempo em que era de outra maneira. Se é que alguma vez chegou a ser. Cruzam-se uns com os outros. Eles levantam o boné e coçam a testa. Elas respiram fundo e descansam as costas que iam curvadas com o peso da cesta.
– Como é que isso vai? E do outro lado, encolhem os ombros e respondem na ladainha de sempre.
– Lá se vai andando. E eles vão. Eles e elas. Andando para o trabalho. Para a taberna. Para os tanques. Para enfiar as mãos nas águas geladas. Para aquecer a garganta com um mata bicho e continuar a bebedeira dos últimos dias. Para dormir numa cama sem colchão e sem cobertor que os proteja.
– O tempo vai mudar. A conversa de sempre sem nada que a justifique, mas que se quer sempre ouvir.
– O meu ombro também já deu sinal. Males todos têm e, se assim não for, alguma tristeza se arranja que o que se quer é algo para dizer. Algo que puxe pelo outro. Pela palmadinha no ombro. Pela pena que dê algum alento à vida que se vai vivendo. – Mas cá vamos andando. Que ninguém se deixa abater. Deus só dá aquilo que conseguimos aguentar e nada mais. Assim sendo, é ir andando.
– Haja saúde. É isso. Haja saúde e o resto lá se vai fazendo. Mais depressa ou mais devagar. Com mais ou menos esforço. O que interessa é ir fazendo.
– Haja saúde que cá vamos.