Hoje em dia, menor a sabedoria (III)

Crónica de José Caria luís

Agora, que eu preconizava enveredar por um novo título, por um paradigma mais animado que contradissesse os dois últimos, eis que tudo se esbandalha e volta a agravar a situação epidemiológica. Dizia-se, e ainda se diz: “Todo o cuidado é pouco!”, mas quando esse mesmo cuidado nem é todo nem é pouco, concluo que ele não existe. Clubismos e clubites à parte, há análises e contradições de todos os quadrantes que versam atribuir, ou isentar, a origem deste espoletar da recente situação epidémica em Lisboa e Vale do Tejo a certos ajuntamentos, sejam eles desportivos, nupciais e ou farras tais. Cada qual puxa a razão para o seu lado, mas culpados só os outros.

Agora, puxando o fio à meada dos capítulos anteriores, retomemos os anos 60, 70 e por aí fora, a fim de ilustrar o salto qualitativo observado na nossa sociedade. Não foi só através da influência da Revolução, porque, aqui – como julgo que em todas as revoluções – nem tudo correu bem. Também houve muitos excessos, aproveitamentos e desmandos que em nada beneficiaram o país. Mas, em termos de revolução cultural musical da ligeira, foram os Beatles e os Rolling Stones a darem o mote para que a juventude de então se libertasse das amarras dos preconceitos do passado. A evolução foi tal que, a partir de então, o pessoal jovem já podia rodopiar dançando o Twistou o Rock and Roll numa qualquer sala ou verbena sem ser alcunhado de amaricado. Em meados dos anos 60, formaram-se umas largas centenas de conjuntos de música estilo pop por todo o país. O concurso “yé-yé” no Monumental, em Lisboa, entre 65 e 66, aos sábados, foi o delírio da malta. Mas a coisa, na final, não correu lá muito bem, já que a tramoia da classificação – compadrio ao modo tuga – gerou revolta e tumultos na assistência. Não assisti, porque estava na tropa, mas diz quem viu que o apresentador Carlos Cruz ainda levou uns abanões.

De Mozart, Chopin e Beethoven ainda poucos conheciam, tanto assim que tive um colega na tropa, um lisboeta de Campo de Ourique, que se dizia erudito na matéria, que, a mando do alferes, saiu da BA 2-Ota e percorreu todas as discográficas de Lisboa a fim de obter a 10.ª Sinfonia do compositor alemão. Claro que, se o cabo-miliciano Sacarrão Aboim fosse um alentejano ou um beirão, dizia-se logo que a sua ignorância se devia ao facto de ser, pretensamente, um campónio, mas de um fulano de Lisboa deu azo a grande paródia na Base. Mas, verdade seja dita: eu julgo que nem 90 % dos que fizeram galhofa sabiam da existência do Beethoven, sendo que um outro grupo de uns 8% não saberia que o génio apenas compusera 9 obras completas. Dá para ver que apenas 2% saberia da marosca do alferes. Um alferes ribatejano.

É verdade que, com o decorrer dos anos, muita coisa evoluiu, excetuando as muitas arbitrariedades que foram cometidas, com realce para o ensino. No ensino noturno, em muitas aulas havia muitos professores que não ensinavam, alunos que não estudavam, mas passavam… uma real rebaldaria. Passava-se o tempo a falar de política, mas não a discutir política, já que poucos eram aqueles que queriam ficar carimbados pelo prof., temendo retaliações.

*Artigo publicado na edição de junho do Jornal de Cá.

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