Hoje, sabemos mais que ontem (IV)

Crónica de José Caria Luís

E já que a malfadada praga não nos larga, vamos ter que aludir a ela de cada vez que por “Cá” passamos. Só gostava de saber quem foi o douto cérebro, quiçá desprovido de massa cinzenta, que a designou como Coronavírus e a aplicou a tão malévola peste. Com ou sem o 19, o nome, em si, não é feio, o pior é que, devido aos malefícios, à mortandade que introduziu no nosso universo, passou a ser abominado pela totalidade dos humanos. Sim, a totalidade, porque os outros, os irracionais de dois pés, aqueles que tendo derivado do homo sapiens, pese embora não lhes reste sapiência alguma, continuam sem observar as boas práticas e regras comunitárias, antes se comportando como uma má raça masoquista, tendente a arrastar o mundo para o caos. Estou em crer que a única razão que poderá levar essa gentalha a reconsiderar e arrepiar caminho, será a presença dos nomes de amigos e familiares diretos na lista negra do obituário local.

Mas, por enquanto, e enquanto se estiver a “viver” os anos 50 e 60 do século passado, não nos martirizemos com o que de mau o futuro nos reserva. Por isso, em certos fins de semana, quando nos deparávamos com as portas dos bailes da Música e Pátio das Comédias encerradas, nós teenagers, mais ou menos urbanos, não desarmávamos. Tentando compensar a falta daqueles passes de dança em piso liso, quer fosse de soalho encerado, caso da Música, ou de cimento afagado, na Verbena, sem rodopiar é que não ficaríamos com certeza. Então, dando crédito ao já estafado ditado de que “quem não tem cão caça com gato”, a solução encontrada nem estava assim tão distante, já que as Quintas das Galochas, da Palmeira ou da Marquesa, se situavam a escassos 12 km. Para quem já tinha percorrido cerca de três dezenas de km para ir aos bailaricos da Abrigada, ao Cercal, ao Vilar ou a Figueiros, também poderia muito bem marchar até àquelas quintas do Ribeiro da Costa. É que, além da vantagem de não sairmos do concelho, quer o ponto de partida fosse Vale da Pinta ou o Cartaxo, o trajeto era sempre a descer. No regresso era a subir? Pois era, mas, no fim de três horas de animado baile, e uns canecos de água-pé rematados com um bagaço, quem é que se lembrava que o caminho era a subir?!…

Para os mais atentos, tinha a sua graça ver rapaziada das obras, das oficinas, das lojas e, até, pasme-se, estudantes, de fatinho de fiogo ou algodão, gravatinha de franja (estava na moda) e sapato grosso que em nada condizia com o resto da farpela. Mas era mesmo assim. Para dançar valsas e marchas, ao som de uma gaita de beiços, porque o tocador local não arranhava mais nada, e em chão de terra ensaibrada, onde era frequente vaguear gado vacum, os calcantes tinham que ser robustos e consistentes. Se assim não fosse, e teimássemos em usar o sapatinho de sola e gáspeas frágeis, no próximo baile da Música ou da Verbena era certo que dançaríamos com o pé a espreitar o piso.

Os ranchos que ali trabalhavam eram oriundos, principalmente, de Barrô, Águeda – daí as barroas –, e dos Cabaços, Pombal. No entanto, o ribatejano de então, desde que o pessoal de fora trocasse os bês pelos vês, catalogava-o logo por caramelo. Assim, a nossa senha era: – “Vamos ao baile às caramelas!”.

*Artigo publicado na edição de agosto do Jornal de Cá.

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