Hoje posso dizer que sou um pai babado, com dois rebentos quase maduros que a primavera amadurece, ano após ano. É engraçado fazer a barba com eles: acordar de manhã com um olho meio fechado e outro meio aberto, um “olá pai, bom dia” e dois “olá filhote, bom dia”, ir para a casa de banho registar o livro de ponto de necessidades e fazer a barba com muita espuma branca espalhada pela cara, pescoço e patilhas, nas minhas e nas do mais novo, ainda em penugem. “Pai, posso fazer a barba? Podes, filho. Tens de pôr espuma para não te cortares”. Empunhamos a arma da “gillette”, passamos por água e lançamos as primeiras estocadas na pele. Começo com algumas pintas de sangue no sítio do costume, a ouvir um uivo rasgado de arrepio dito pelo filho. “Porque é que te cortas, pai? –Porque sou desastrado, e assim fico bem acordado”. O mais velho também aparece e também quer fazer a barba, com o mais novo a resmungar de ciumeira a dizer que estava primeiro, a querer ficar mais alto que o lavatório para poder mostrar autoridade ao espelho, com o queixo bem levantado a olhar para mim a desbastar o pescoço semi-rugoso com a lâmina.
Os meus filhos não gostam de barba. Pica, dizem eles. Mas gostavam de a ter para serem homens de barba rija. Gostavam de ser como eu, tal como eu queria ser como o meu pai, quando olhava para ele ao espelho de máquina de barbear na mão. Fui daqueles que quis ser mesmo homem à força, fazendo o bigode arbustivo da puberdade com a philishave de lâminas gastas que mais parecia um corta-relvas encravado. Escusado será dizer que parecia que tinha um escaldão no bigode, disfarçado com água de colónia dos frascos da Denim ou da Old Spice. Houve um dia que tive a coragem de trocar a philishave pela gillette, quando já não queria ser igual ao meu pai. Talvez quando tiver a pele cheia de rugas, muito velho ao espelho, vá buscar a velhinha philishave para voltar a ser grande, como o meu pai.
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