A história da humanidade é marcada pela guerra. O curso dos velhos impérios sempre se moldou a toque de espada e mais tarde nos estilhaços da pólvora. Nos tempos de paz a prosperidade avançava para logo ser ameaçada pelas pretensões hegemónicas de um povo ou de um líder sobre os demais. Foi assim ao longo dos séculos por todo o planeta, desde as velhas dinastias da China, ao império Mongol, passando pelo Macedónio de Alexandre o Grande, ao império romano e mais tarde ao Otomano, que chegou até ao séc. XX, e os mais recentes impérios europeus, portugueses e espanhóis nos séculos XV e XVI e depois o francês e inglês, ainda hoje com a amplitude da Commonwealth. A guerra foi a força motriz que esculpiu fronteiras, definiu regimes políticos e determinou a evolução de uns e o afundamento de outros. Pelo meio sempre houve, no entanto, a tentativa de encontrar a paz e a estabilidade, únicas vias para a dignificação da condição humana e do seu desenvolvimento pleno. Claro que nesta senda evolutiva a liberdade foi conquistada com muito suor, demasiado sangue e lágrimas sem fim. A escravização dos povos conquistados, a exploração abusiva dessa mão de obra nas sendas do ouro, das especiarias, do açúcar e café e mais tarde na incontornável revolução industrial que mudou o mundo.
O século XX trouxe duas guerras ditas mundiais e que ditaram o fim da hegemonia britânica e a ascensão meteórica da salvífica américa com a força da união dos seus 50 estados, ditando a presença militar por todo o planeta e despoletando uma resposta forte do bloco soviético, outro dos ganhadores do fim do nazismo na europa. Vivemos então num clima apelidado de guerra fria, pela estratégia pendular de equilíbrio de forças entre Washington e Moscovo, com episódios tensos em Cuba e derrotas inusitadas no Vietname e Afeganistão. Mas os ventos da mudança iriam derrubar o tristemente célebre muro de Berlim e com ele libertar a europa de leste do jugo soviético, fazendo recuar a sua dominação para as velhas repúblicas não independentistas. Do fim da 2ª guerra mundial viria a nascer uma nova nação e um conflito insanável no médio oriente, com a criação do estado de Israel em 1948, após anos de domínio britânico, numa região milenar disputada por vários impérios e onde nasceu o cristianismo, mas que é historicamente o berço do judaísmo muitos séculos antes.
Face a tantos conflitos nasceu igualmente a ONU, na necessidade imperiosa de fomentar a tolerância entre nações e tentar evitar novas guerras devastadoras e os milhões de mortes que provocam entre as populações inocentes. Mas a verdade é que as decisões políticas no leste europeu e no médio oriente, apenas adiaram novos problemas que estão agora a incendiar um mundo cada vez mais sob enorme tensão. A velha Rússia, após os ventos da glasnost e da perestroika, voltou a cerrar fileiras e sob o comando musculado de Putin, saído da KGB, decidiu impedir o desmembramento da velha ordem soviética, com especial incidência sobre a Ucrânia, o celeiro do regime e com acesso marítimo ao mar negro e mediterrâneo. A guerra começou com a invasão da península da Crimeia em 2014 e agudizou-se na primavera de 2022 com a entrada das tropas russas no Donbass, região leste da Ucrânia. A intenção de Putin é óbvia, voltar a dominar esta região estratégica, impedindo o avanço da NATO até às suas fronteiras e mantendo o domínio do mar negro.
Entretanto em Israel, após anos de elevada tensão entre judeus e palestinianos, com ataques de parte a parte, vimos a autoridade palestina perder força face a uma organização terrorista, o Hamas, que a exemplo do Hezbollah, no Líbano, quer destruir Israel e não aceita a apelidada solução dos dois estados, a via diplomática há muito mantida sob a égide da ONU e que tenta viabilizar um estado palestiniano. Israel, sentindo-se ameaçado por todos os vizinhos árabes, onde assume particular influência o regime xiita do Irão, endurece o discurso e fortalece o seu poderio militar, sempre apoiado de forma expressa pelos EUA, país onde os judeus têm forte presença política e económica.
E voltamos assim à incontornável presença da guerra, fomentada pela feroz intolerância entre povos, ideais e religiões. Na velha Roma a latina impatiens era abafada pela força do império e pela imposição das leis. Nos dias de hoje os impérios vão cedendo à evolução dos povos e à assunção dos estados de direito e da ordem mundial, alicerçados na liberdade e na paz. Mas estes desígnios são frágeis e estão em constante ameaça, como estamos novamente a assistir a norte e a leste do velho mare Nostrum. A intolerância mostra ser a força negra da evolução das várias civilizações que se debatem neste imenso e complexo jogo de xadrez a nível planetário. Pior é perceber que a impatiens vai descendo ao nível dos países e das suas sociedades e vai corrompendo os tecidos sociais e a tão desejada sã convivência entre classes. A guerra está a descer às ruas e a incendiar os últimos bastiões da construção social, as famílias. Se estas cederem, a civilização entrará em colapso. Urge evitar esta terrível tragédia. Cabe a cada um de nós lutar pela liberdade e pelo respeito dos direitos humanos, e isso só é possível se houver tolerância. Lutemos, pois, por ela. Essa é a “guerra” a travar.