Ideias para um Portugal novo

Opinião de João Fróis

Esta ressaca dura dos gravíssimos incêndios de Pedrogão Grande e que se mantém em Góis, aconselha-nos a parar e pensar. As mortes de mais de 60 pessoas obrigam-nos a honrar o seu luto e a contribuir, de alguma forma, para que esta tragédia não se volte a repetir. Este País não pode continuar adiado e entregue a grupos, a interesses e a lobbies. Não podemos aceitar que esta nação secular permita que os seus morram em vão por culpa de todos. Por ação e omissão. Por decisões mal tomadas e por tantas outras eternamente adiadas e que teimam em não sair do papel.

Basta!

Não sou especialista em florestas, não tenho formação técnica em proteção civil, não sou nem bombeiro nem político. Mas sou cidadão e preocupo-me com o meu País e com o futuro que estamos a construir para os nossos filhos e netos. E como tal, em consciência e assente numa avisada humildade, contribuo com ideias, soluções e sugestões que podem de alguma forma ajudar a encontrar melhores caminhos para Portugal.

Comecemos pelo essencial.

A reforma administrativa. Nos 308 concelhos nacionais, 278 no continente, 19 nos Açores e 11 na Madeira, existem realidades diversas no que à floresta concerne. Mas há algo comum e que urge rapidamente modificar. O cadastro da pequena propriedade e a clara identificação de quem é o quê na posse das centenas de milhares de pequenas parcelas em que este País está dividido. A Lei de Bases da política Florestal, nº33/96 de 17 de Agosto, reconhece a realidade da distribuição da floresta nacional que cobre cerca de 60% do território, estando 84% nas mãos de privados, 14% em espaços comunitários e apenas 2% em espaços públicos. Esta lei teve como intuito promover a organização da floresta através da dinamização do associativismo. Mais recentemente, em 2015, o conselho de ministros atualizou a Estratégia Nacional para as Florestas onde destaca a importância dos agrupamentos de produtores de modo a estimular a criação de espaços maiores e que permitam uma maior eficiência na gestão dos mesmos. As denominadas OPF (organizações de produtores florestais) são vistas como essenciais no aconselhamento e apoio à boa gestão da floresta, constituindo-se Zonas de intervenção Florestal (ZIF). Em 2009, a portaria nº 118-A dividiu estas OPF em quatro tipologias: de âmbito nacional, regional, supramunicipal, municipal ou local e complementar. As OPF podem ser registadas por períodos de cinco anos, renováveis, havendo atualmente registadas no ICNF (Instituto da conservação na natureza e das florestas) 134 associações, sendo 73 delas na região centro, 39 na região norte e as restantes entre o vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Ora na região assolada por estes funestos incêndios encontramos, nomeadamente, duas em Figueiró dos Vinhos, uma em Pedrogão Grande e outra em Góis.

A questão que se coloca desde logo é que tipo de trabalho tem vindo a ser feito por estas e outras entidades para a melhor gestão das florestas? E que resultados palpáveis podem ser aferidos desse mesmo trabalho a que se propõem estas associações?

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Entendo que temos de ir mais longe.

Estas associações têm com certeza os seus méritos mas não atacam os problemas de fundo. Portugal não pode continuar a ser parcelado em milhentas mini parcelas, coladas umas nas outras e que não são nem sustentáveis nem tão pouco contribuidoras para um ambiente saudável e seguro para as populações.

Cumpre assim fazer um trabalho de fundo a identificar em cada autarquia todos os proprietários de todas as parcelas florestais e agrícolas, modernizando os registos e cadastros e criando uma base sólida de responsabilidade pela gestão dos terrenos. Uma vez feita a identificação cumpre questionar cada um sobre os seus intuitos com a parcela e a manutenção e limpeza obrigatória das mesmas.

Têm de ser definidos perímetros obrigatórios de segurança em torno das povoações, estradas e edificações, bem como a alternância programada das espécies, entrecortadas com espaços sem arvoredo, que sirvam de corte natural à propagação de incêndios, de acesso mais fácil e rápido aos terrenos e tenham pontos de água disponíveis. Não havendo interesse em manter a gestão dos espaços florestais de forma ativa os proprietários terão de definir o que pretendem e na omissão grosseira das suas responsabilidades deverão ser confrontados com a expropriação para fins públicos, geridos pela autarquia. Esta responderá pela gestão de todas as atividades desenvolvidas no abate de árvores, manutenção dos acessos, controlo efetivo da limpeza e aproveitamento da biomassa para centrais energéticas. Terão aqui uma fonte inesgotável de riqueza e um decréscimo abrupto nas perdas de bens e vidas humanas nos incêndios, que assim serão minimizados e mais facilmente controlados.

Planeamento.

Neste trabalho de fundo levado a cabo entre as autarquias e os serviços florestais, cabe perceber que tipo de proprietários existem e quais são os que fazem da silvicultura a sua atividade de subsistência. Para estes serão estabelecidas regras para a boa gestão dos seus terrenos em conformidade com as melhores práticas europeias. Para os demais há que distinguir entre os que são herdeiros parcelares e que não têm qualquer intervenção sobre a propriedade e os que, sendo únicos, não têm atividade regular sobre os mesmos. Os primeiros terão de tomar posição e decidir entre venda, cedência, doação ou contrato para gestão integrada pela associação e autarquia. Aos segundos coloca-se desde logo esta situação de contrato e na sua recusa propõe-se o abate e a compra da madeira, deixando o terreno aberto e limpo de modo a poder ser integrado num plano de alinhamento entre espaços florestais, agrícolas e abertos para acessos, lazer e criação de pontos de água.

As autarquias devem, em estreita colaboração com as OPF locais fazer um levantamento das espécies e enquadrá-las com a tipologia dos terrenos e a melhor adequação à sustentabilidade da atividade e dos recursos existentes. Não faz sentido ter eucaliptos em terrenos férteis, tornando-os assim áridos e impróprios para produção agrícola. A produção de celulose tem de ser regrada e feita em locais que os técnicos bem conhecem e não em pequenas parcelas espalhadas junto a casas, campos agrícolas e empresas, como tanto se vê no centro e a norte.

Gestão territorial.

Definitivamente os cantoneiros têm de voltar. E voltar a cuidar da preservação das florestas e da sua melhor integração com as redes viárias. E têm de haver mais guardas florestais e com mais e melhores meios. E nesta articulação criar uma estrutura dinâmica de gestão, observação e manutenção de uma floresta saudável, para o bem de todos.

Para tanto há que usar a tecnologia dos dias de hoje. E criar um mapeamento digital de todo o território, com zonas bem identificadas em rede e facilmente lidas por vários organismos em paralelo. 308 concelhos podem ser outras tantas zonas digitais onde existam diversos pontos de orientação e fornecimento de dados online.

Usando as torres de telecomunicações como base, poderão ser colocados nos rails de todas as estradas pequenos sensores que forneçam informações sobre temperatura, fluxos de pessoas e veículos e ocorrências várias que possam assim mais rapidamente detetadas e intervencionadas. Deste modo e com a celeridade que todos desejamos, teríamos acessível, em vários dispositivos e plataformas, toda a informação útil a uma rápida e decisiva intervenção sobre uma qualquer ocorrência que careça de tratamento urgente, seja um incêndio, um acidente viário, ferimentos em pessoas, desabamentos, aluimentos, etc.

Os postos de vigia seriam assim todos os computadores nos centros de comando da proteção civil, os smartphones de bombeiros, médicos e paramédicos, e como vantagem máxima, alertas nos telefones de todos os cidadãos, moradores ou visitantes das regiões em questão. A informação seria assim uma mais valia absoluta, disponível em tempo real e a permitir que sejam tomadas as melhores opções por todos, evitando que o pânico se apodere das populações e os leve a meterem-se nos caminhos da morte, como agora, infelizmente, veio a suceder.

Temos todos a ganhar. Ficamos com um território ordenado de forma racional e economicamente viável, com a proteção de florestas, povoações e populações e com o aproveitamento de toda a biomassa gerada em benefício da autarquia. Os bombeiros dedicam-se a ações de formação, patrulhamento e assistência a ocorrências de toda a espécie, as forças de segurança irão poder agir de modo mais concertado e toda a oferta turística fica salvaguardada dos riscos que o verão sempre traz até aos dias de hoje.

Muito se falou há alguns anos em criação de regiões administrativas, “partindo” o País em mais zonas e entidades. Creio que não iria acrescentar muito e o mais provável seria gerar perdas de recursos, originando mais burocracia e menos ação. As autarquias conhecem bem as suas regiões e têm capacidade de intervenção nas mesmas, a vários níveis. Dotá-las destas competências e responsabilidades sobre a gestão inteligente de todo o seu território, sempre em articulação com as entidades que fazem a gestão integrada a nível nacional, pode bem ser a solução viável, lógica e relativamente barata para dar às populações aquilo que elas esperam do Estado, segurança e apoio.

Continuar como até aqui é criminoso. E considero que estas mortes, assim como todas as anteriores, são responsabilidade de todos nós. Uns por ação direta, ao não ordenarem nem limparem as matas, outros na má gestão das cadeias de ajuda e proteção civil e todos nós, por omissão na responsabilização de todos os que nada fizeram para inverter esta situação calamitosa, incompreensível e revoltantemente desnecessária. Estas chamas consomem a nossa inoperância e alimentam-se da ganância. E pelo meio matam inocentes que são apanhados em teias de fumo e fogo que se tornam gigantes na nossa lassidão e assumida negligência.

Sejamos bravos e menos treinadores de bancada. Façamos deste desígnio um grande objetivo nacional pois toca e interessa a todos, sem exceção. De uma vez por todas acabe-se com esta ladainha dos incêndios e da sua anunciada inevitabilidade. A única coisa absolutamente inevitável é a nossa morte. E sejamos dignos e corajosos para tudo fazer para que essa só chegue tarde para todos e não nos leve antes do tempo, crianças, jovens e adultos que deveriam ainda cá estar entre nós!

Tenho dito.

Bem hajam. Acordem e lutem por aquilo que é de todos.

Os soldados morriam nas batalhas em nome da pátria, em prol do País. Não façamos de todos nós, civis, soldados que morrem no País e por culpa do próprio, que somos igualmente nós.

Isuvol
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