O Papa Francisco veio revolucionar, com importantes reformas no seio da Igreja Católica, aproximando-se mais das pessoas e dos seus problemas reais. “É um homem voluntarioso”, considera o padre Arlindo, com quem falámos para tentar perceber melhor o impacto dessas mudanças, também na paróquia do Cartaxo
Francisco decretou o Ano Santo da Misericórdia (de dezembro 2015 a novembro de 2016), dando indicações aos seus pastores no sentido de promover a nova envangelização, onde se incluem reformas como a nulidade do matrimónio, a indulgência ao aborto e a todos os que até então eram considerados excomungados pela comunidade católica, como divorciados e presidiários, por exemplo. E, segundo o padre Arlindo, Francisco também “fez algumas mudanças importantes na Cúria. Das primeiras coisas que fez foi mudar pessoas; ele mudou cardeais; ele pôs ordem nos empregados, por exemplo no pica ponto, para que as coisas tivessem a mínima ordem”.
“O Papa Francisco é uma personalidade completamente diferente do Papa Bento. Não é teólogo, é um homem de formação química, é um cientista”, justifica o padre, explicando que ele tem uma formação diferente. “Na Europa os Jesuítas formam lideranças, enquanto que os Jesuítas na América do Sul estiveram sempre com o povo e em Roma também é um homem do povo”, o que, para o padre, “marca, desde logo, a diferença”. E essa diferença começou a notar-se desde logo em Roma, conta o padre Arlindo, que estava lá na altura do Conclave, e esteve presente na praça de São Pedro quando apareceu Francisco. Depois disso, lembra-se de ver a célebre praça “às quartas-feiras e aos domingos cheia de gente, com cerca de 200 a 300 mil pessoas. Mesmo em pleno inverno, era impressionante!”.
Pôr a igreja no lugar dela
“O Papa é um homem do povo por formação de pastoreio e é um homem voluntarioso, que veio pôr a Igreja no lugar dela”, refere o padre, acrescentando que “a Igreja é feita do povo, ou seja, a Igreja tem um caráter popular por sua própria estrutura, tem um caráter de comunidade de base, um caráter de fraternidade, que é inegável. E eu acho que isso é muito bom.” O padre Arlindo lembra que “o Papa Francisco acolheu todos” e cita-o: “quem sou eu para acusar os homossexuais ou as famílias monoparentais ou as famílias desavindas ou os casais divorciados?”, sublinhando que este “é um Papa que se põe no lugar de servo e não está a acusar.”
Como forma de provar isso mesmo, uma das reformas do Papa foi alterar o processo de nulidade do casamento católico, com o objetivo de acelerar todo o processo. Com isto, e segundo o padre Arlindo, “ele quer tratar dos divorciados recasados, quer aligeirar os processos de nulidade, vai evitar alguns casos de tribunal de segunda instância e vai salvar esta questão dos divorciados, da comunhão, etc. «O divorciado recasado não está excomungado», é uma frase do Papa”, diz. E explica: “a Igreja não aceita o divórcio civil, a Igreja aceita a nulidade matrimonial do casamento, que é uma coisa frequente”. Relativamente a casos desta natureza no Cartaxo, o padre conta que “temos aqui alguns pedidos”, reforçando a ideia de que muitas vezes estes processos se tornam mais longos, porque “implicam pensar, pela parte da pessoa que faz esse pedido. Implica pensar na história dela, na história do casamento, no fracasso. Não é tanto tempo lá, em Lisboa, é o tempo que os esposos divorciados precisam para pensar”. Mas concorda que, ainda assim, “este é um processo moroso, porque depois do tribunal ter decretado a nulidade, tem de ir a um tribunal de segunda instância. O Papa Francisco fez bem em libertar esta segunda instância, porque nalguns casos, eu diria que na maioria dos casos, já não é preciso, o que é bom, porque ajuda a acelerar este processo.”
“O tribunal eclesiástico funciona como um tribunal normal”, explica o padre Arlindo, “em que nós temos o defensor da parte que pede a nulidade e a outra parte que defende o vínculo matrimonial; depois é um debate entre narrativas e testemunhos, contradições e resultados, e depois prova-se ou não se prova”. Apesar de esta não ser a sua especialidade, como faz questão de frisar, o padre pensa que “habitualmente, 90 por cento dos casos são decretados nulos”.
À luz do direito canónico, há vários motivos que podem ser invocados para a nulidade do casamento católico e, segundo o padre, “os argumentos apresentados são muito diversos, desde a inconstância à imaturidade, quer à questão da fé, da dúvida, à incerteza do matrimónio, há aqui tantos argumentos. Têm de fazer prova de que foi um erro, mas tudo isso demora o seu tempo. O processo é moroso nesta reflexão”.
Absolver o pecado do aborto
Outra questão fraturante, revista pelo Papa, é o aborto. Francisco permitiu que todos os padres absolvam o pecado do aborto, que até então só os bispos, ou o padre que eles autorizassem, podiam fazer. Para o padre Arlindo, que confessa “nós absolvemos muita gente”, é preciso perceber o drama. “É uma coisa que marca as pessoas para o resto da vida, ninguém faz um aborto de ânimo leve”, acredita. “Mas é preciso que as pessoas tomem consciência da gravidade daquilo que fizeram”, diz, lembrando que “é um caminho que as pessoas fazem e deve haver perdão”. O padre explica que “na tradição da Igreja, na confissão de aborto devemos comunicar ao bispo diocesano: «recebi confissão de aborto dei absolvição y», por uma razão pedagógica. Habitualmente, nós, padres diocesanos, que também temos a faculdade de jurisdição para confessar, perdoar, absolver e dar a penitência do pecado de aborto, o que devemos fazer é endereçar a um santuário, porque as pessoas tem de fazer uma caminhada.Dessa forma, a pessoa faz uma peregrinação interior e toma consciência daquilo que fez”.
“Mas a mim preocupa-me, mais do que a lei do aborto, as pessoas não quererem ter filhos”, revela o padre, que considera isso como “sinal de que não há vida lá dentro”. E insiste, “há falta de vida nos casais. Preocupa-me muito quando os casais não querem ter uma casa cheia, uma casa habitada. Quando há só dois absorvem-se um ao outro. Há qualquer coisa que não funciona, não arriscam. Estão muito preocupados com a carreira, com o dinheiro, com as poupanças…”
Igreja aberta a todos
“O Papa dá indicações de uma certa abertura, dá-nos o exemplo para que nós o apliquemos. O decreto do Jubileu da Misericórdia é indicativo para os padres, que depois têm a liberdade de o seguir ou não. O Papa Francisco quer que a gente esteja com as pessoas. Ele olha para elas como pessoas verdadeiras, com histórias verdadeiras, o que importa primeiro são as pessoas e não a sua ideologia”. E é desta forma que o padre Arlindo diz também olhar, porque “não vale a pena andarmos num mundo eclesiasticamente virtual que fica completamente desfasado do mundo. A Igreja tem de mudar e olhar para a gente real”. E conclui, “esse é o desafio, essa é a novidade do Papa. É uma revolução na igreja.”
“A comunidade do Cartaxo vai percebendo, aos poucos, que a Igreja é uma casa que acolhe todos. É um bocadinho de abertura do coração que as pessoas terão de fazer, necessariamente”, reconhece o padre, que tem insistido nisso. “E esta é uma grande vitória do Papa Francisco que tem feito com que todos deem uma segunda oportunidade a todos. E isso é bonito. Toda a gente tem direito a uma segunda, terceira ou quarta oportunidade”, reconhece, acrescentando que “nunca se pode apagar a oportunidade da relação, de amizade, de afeto”.
“Algumas pessoas ainda não compreendem a cabeça do padre, assim como ainda não compreendem a cabeça do Papa, é um percurso lento”, comenta. “Quando eu cheguei a igreja estava fechada e não encontro justificação para isso. A minha ideia da Igreja é uma casa, onde as pessoas se encontram”, tal como “o Papa Francisco quer fazer do Vaticano uma casa”, mas as nossas comunidades paroquiais ainda estão longe disto”, lamenta.
De qualquer forma, o padre já nota algumas diferenças na comunidade Católica do Cartaxo. “Eu vejo que há mais relação entre as pessoas. Aquela coisa tão simples de, ao final da missa, as pessoas saírem e ficarem a conversar é muito importante”, revela, lembrando que “a nova envangelização é uma nova afeição, uma nova relação, uma nova amizade, com Jesus e com os outros. É deixar de ter preconceitos, deixar de ter ideias feitas, deixar que o outro me interpele”. E, apesar de ainda faltar muito para que isto aconteça, no Cartaxo, “é uma coisa que se está a começar a fazer e já há mais convívio, há mais vida, há qualquer coisa a efervescer, ainda não há resultados, mas já há mais qualquer coisa a acontecer, o que é interessante”.
Refugiados no Cartaxo
Com o tema dos refugiados no centro da atualidade, e tendo o Papa Francisco apelado a todas as paróquias que acolhessem, pelo menos uma família dos migrantes que chegam aos milhares à Europa, questionámos o padre, no sentido de saber se a paróquia do Cartaxo está preparada para o acolhimento de alguém. “Não está nada em cima da mesa”, refere o padre Arlindo, explicando que “falta na cidade um entendimento sobre como é que nós vamos receber estes refugiados ou exilados, como é que nós vamos garantir condições de emprego”. Segundo o padre, “todos os grupos que apoiam os pobres e pessoas necessitadas cá no Cartaxo não encontram parceiros para dar trabalho a estas pessoas”, muito embora haja “uma estrutura bem organizada de ajuda aos mais necessitados; não há pessoas a passar fome, continuam a ter as contas pagas”, mas adianta que “falta aqui o contacto com as empresas, as instituições, as quintas, para as pessoas poderem trabalhar. Arranja-se sítios para as pessoas poderem ficar, mas depois falta a possibilidade de integração, de trabalho”. Contudo, está convicto de que “há caminho a fazer”. Ainda voltando ao tema dos refugiados, o padre acha que “a iniciativa de acolhimento deverá ser mais do município, isto é um problema político”, mas compreende que é necessário o apoio por parte de outras instituições nesta questão “dramática”, garantindo que “a Igreja será uma delas a apoiar, certamente”.