Katekero

Opinião de Carlos Gouveia

Não sou dado a viagens. Ou para não ser pretensioso, não viajo tanto quanto gostaria, especialmente fora de portas lusas. Dentro de portas, o que gosto mais de fazer em viagem é perder-me nas estradas com o meu GPS de alta tecnologia, um mapa de estradas rasgado do Automóvel Clube de Portugal do ano de 2003, evitando sempre o último recurso de perguntar a alguém que esteja numa bomba de gasolina ou à porta de um café qual é o caminho para o destino. E claro, dentro do carro sou motivo de chacota pela minha teimosia.
O mapa tem auto-estradas ainda a tracejado, em projecto, como se ainda não existissem. Agora são cada vez mais rectas a rasgar planícies e montes, passando ao lado de todas as terras e vilas com tabuletas a indicar a próxima saída. A auto-estrada serve para isso mesmo: o automóvel vai automaticamente da origem para o destino, em “cruise control”, sem perguntar nada a ninguém para chegar mais rapidamente ao destino, no maior conforto possível em ar condicionado, e julgo que até alguns computadores de bordo avisam os condutores e passageiros que já chegaram.
Nas minhas viagens, evito sempre auto-estradas. Eu não quero chegar depressa ao destino, o destino é que vai chegando até mim. Lembro-me das viagens intermináveis no Citroen Visa dos meus pais, começando ao fim da tarde pelas primeiras curvas de São João da Ribeira até Rio Maior, entrando atrás de filas de camiões na Estrada Nacional 1 até Coimbra, começando aí a dura prova da mítica Estrada da Beira que vai até à Guarda. Provavelmente, deve ser a estrada que estraga mais caixas de velocidade, tal eram os pregos de terceira para segunda e vice-versa. Até chegar a Tábua, deve bater o recorde de curvas que tem mais cafés à beira da estrada que se chamam Katekero, com uma pequena mercearia com vassouras e alguidares à porta, e com uma ponte gigantesca como fronteira entre montes, a ponte de Mucela, que numa noite fatídica furou um pneu.
Chegarei sempre ao destino, Katekero. E até ao meu regresso.
Nas minhas viagens, evito sempre auto-estradas. Eu não quero chegar depressa ao destino, o destino é que vai chegando até mim.

Isuvol
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