Leituras cruzadas sobre poesia, democracia e cidadania

Por Elvira Tristão

À falta de tema para esta crónica partilho convosco o texto de Bárbara Reis, no Público, com o título “Desconfie dos que acusam os políticos de mentir”. Veio o título a propósito do último livro de Daniel Innerarity, basco, especialista em democracia e professor no Instituto Universitário Europeu, em Florença. Afirma a jornalista tratar-se de um filósofo otimista que, no entanto, não deixa de ter um olhar crítico sobre os “inimigos” da democracia, em particular os políticos e os que escrevem sobre política.

Para este pensador, a democracia “não é um sistema para resolver problemas concretos, mas sim para identificar os problemas e convertê-los em algo que deve ser publicamente discutido” (Uma Teoria da Democracia Complexa – Governar no Século XXI. 2021). Segundo o autor, a democracia é um “regime de opinião”.

Voltando ao título do artigo de Bárbara Reis, provocador, no seu novo livro ainda não publicado em português, Innerarity chama a atenção para o facto de vivermos num mundo de ignorância, ou melhor, de conhecimento provisório, onde a verdade não é o mesmo que objetividade e rigor e que quase nada do que dizemos ou sentimos é “verificável”.

Não pretendo com isto branquear as mentiras dos políticos – que as há e algumas descaradas – mas tão somente concordar com Innerarity que coloca o foco dos regimes democráticos no poder da palavra dos políticos, enquanto mediação com os cidadãos, e na capacidade de estes poderem apresentar os seus pontos de vista, diversos e divergentes, enquanto manifestação de diferentes subjetividades numa sociedade complexa, marcada por tensões e diferentes interesses.

Partilho convosco ainda uma outra leitura que se cruza com esta, também ela do jornal diário citado. Um texto magnífico de Betâmio de Almeida, professor emérito do Instituto Superior Técnico, que, servindo-se da mediação metafórica da poesia, afirma haver compatibilidade entre esta arte e a engenharia civil. Tudo isto para introduzir a discordância dos residentes de Campo de Ourique que não compreendem a opção de construir a estação do Metro de Lisboa no espaço do emblemático Jardim da Parada. Considera ele que os responsáveis, em vez de apresentarem estudos e desenhos de linguagem hermética, deveriam estar dispostos a dialogar com os interessados a debater diferentes subjetividades para chegar a um verdadeiro consenso.

Estas duas leituras, que aqui partilho, levam-me a reforçar a convicção de que é urgente assumirmos as diferentes perspetivas sobre o mundo em que vivemos sem extremar posições, aceitando a subjetividade do outro. E, deste modo, estar dispostos a ouvir o que os eleitos têm para nos propor sem deixar de argumentar com civilidade os nossos pontos de vista. Do mesmo modo, espera-se que os eleitos estejam dispostos a ouvir os cidadãos e a admitir que as suas propostas podem ser revistas e melhoradas, se daí advier a melhor solução, aquela que melhor serve a todos, respeitando diferentes subjetividades. Voltando a Betâmio de Almeida, quem dera que a poesia nos tivesse ajudado a cantar (um qualquer) Jardim da Parada.

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