Dezembro é o mês em que se vendem mais livros beneficiando o livro da quadra natalícia e, na época em que se vendem mais livros, faz sentido questionar quantos desses livros são efectivamente lidos.
Numa época de síntese, o tempo para ler um livro é um privilégio a que nem todos têm acesso;
O quotidiano atual faz-se de dados concretos, percentagens, números, despesas, receitas, dívidas, orçamentos, números na balança, números a subtrair no calendário até chegar o fim de semana, o fim do mês, o fim do ano.
A obra literária mais extensa, ou mais demorada, carece de utilidade imediata, não nos ensina a dieta milagrosa, nem nos informa da razão pela qual a nossa opinião esteve sempre correta face à dos demais ou, até, dos dez passos para atingir o sucesso interplanetário.
O que é que pode um livro ensinar? A obra literária ensina que as coisas demoram tempo, impõem o seu ritmo e que devemos compreendê-lo, a obra literária ensina que um ser amistoso pode também ser venturoso, como o “Otimista” de Voltaire, ensina que o homem ateu pode ser espirituoso e ter um coração grande ou que não se iluminam espíritos com incêndios no “Drama de João Barois” de Roger Martin du Gard, ensina que um homem nas suas ações deve considerar não só os seus princípios mas também os seus meios e os seus fins (Camus).
E mais do que máximas morais, ensina que o homem contém ambiguidade e que, dentro dela, não só poderá conter valores verdadeiramente contraditórios, como muito provavelmente os tem. E ao ensinar isso também ensina a compreensão pelas ambiguidades dos outros, pelas suas falhas e ensina a tolerância que tanto falta por aí.
O livro ensina que a cultura leva o espírito onde os pés não nos podem levar. É através da literatura que se criam os seus mitos e o Cartaxo tem fome dos seus mitos, numa terra de gente inteligente é necessária mais literatura. A tal que não alimenta o corpo mas que alimenta o espírito! (e logo nós, tão avisados pelo tal Livro de que não só de pão vive o Homem!)
Falta cultura literária no Cartaxo? Falta, sim senhor!
Precisamos de almas exaltadas e apaixonadas, com discursos arrebatadores, bons rebeldes, gente irreverente!
Para quando um sarau literário ou até um prémio literário, eventos de declamação de poesia? Promover a criação literária não custa nada, só é preciso vontade! (À atenção da vereação da cultura).
Dir-me-ão que existem outras prioridades e eu direi que cultura não se impõem, nem se sobrepõe a nada (há quem não saiba isto).
Dezembro é também o mês em que Portugal marca presença, como convidado de honra, na FIL de Guadalajara (México), uma das maiores feiras do Livro do Mundo, onde vai promover os seus escritores, mas também o pensar português. Não me é possível comparecer nessa Feira, mas após escrever este texto vou até à Ereira, à Feira do Livro. Talvez, um dia, vá ao México aplaudir, com uma lágrima no canto do olho, um escritor do Cartaxo.