“Não temos nenhuma varinha mágica”

 

Pedro Ribeiro confessa que nas entrevistas gostava mais de falar de pessoas do que números. Orgulha-se de ter aberto as portas da Câmara aos cidadãos e garante que dirige uma equipa determinada, sem medo de agir, com coragem para tomar decisões e resolver problemas

Entrevista ao Presidente da Camara Municipal do Cartaxo, Pedro Magalhaes Ribeiro. Entrevista realizada no Museu do Vinho

Para a entrevista com o Jornal de Cá, o presidente a Câmara Municipal do Cartaxo escolheu o cenário do Museu Rural e do Vinho. Pontual, o presidente chegou ao local de encontro, vindo da visita guiada com os candidatos a rei e rainha das vindimas. Disponível para todas as questões, Pedro Ribeiro mostrou não ter assuntos tabu e revelou-se profundamente conhecedor de todos os dossiers. Um ano depois da primeira entrevista que lhe fizemos, o presidente da edilidade tem a sua estratégia política e de gestão perfeitamente delineadas e mostra saber o que quer e para onde quer ir. Alguns apontamentos com números que lhe podiam servir de auxiliar de memória quase que não foram utilizados, porque o discurso do autarca não tem hesitações quando fala do estado de calamidade em que encontrou a câmara, do trabalho já feito pelo sua equipa, do muito que gostaria de fazer e, sobretudo, quando cita as percentagens e os valores que mostram uma evolução positiva nas contas do município. Tudo sem esconder o muito que está para fazer e as duras batalhas que ainda vamos todos ter de enfrentar.

Não está farto de descobrir buracos deixados por antecessores?
Não se trata de descobrir, ou não, buracos. Quando nos candidatámos foi para procurar soluções. Não existem varinhas mágicas que resolvam um problema de um desequilíbrio estrutural tremendo, que ao longo dos anos se tem vindo a acumular. Entre 2007 e 2013, a Câmara aumentou em mais de 19 milhões a sua dívida. É uma Câmara que, à data de hoje, é insustentável e estamos a procurar soluções para que ela, de futuro, possa ser sustentável, do ponto de vista financeiro.

Há margem para mais do que gerir a dívida?
Se me dissessem que em dois anos teríamos a capacidade de, perante o que encontrámos, resolver tanto problema e ainda fazer obra, não me passaria pela cabeça. É importante transmitir que encontrámos uma Câmara numa desorganização profunda. Para terem a noção, era uma técnica de informática que geria a parte de jardins e espaços verdes. A Câmara estava profundamente desorganizada, fizemos uma revisão orgânica…

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Está mais organizada agora?
Está, mas há sempre ajustamentos a fazer. E sem recorrer a entidades privadas, como aconteceu no passado, pagas de forma principesca, com os recursos internos conseguimos fazer uma revisão a custo zero. Uma das principais alterações que fizemos foi criar uma área de empreendedorismo, porque achamos que é importante para a terra ter mais empresas, mais emprego…

E está a funcionar?
Está, basta ver as mudanças que ao nível de mercados e feiras já se fizeram. Está em curso a carta do investidor, que era um instrumento que o Cartaxo não tinha. Temos tido contactos com empresas, através do gabinete de empreendedorismo, que vai agora assumir, dando um novo impulso, a questão da Expo Cartaxo. Na área dos espaços verdes, encontrámos uma Câmara que tinha sete jardineiros quando precisava de 27. Ainda não temos os 27, a Câmara está impedida de contratar pessoal e temos recorrido aos contratos de emprego de inserção, quer para a área de manutenção de jardins, quer para a área de limpeza urbana que tinha apenas três pessoas. Não estou plenamente satisfeito com a limpeza da cidade, mas a situação está bastante melhor.

Mas, por exemplo, Santa Eulália está ao abandono.
A nossa estratégia, em relação a esta matéria, vai passar por procurar entregar a uma empresa privada espaços como o jardim da Praça 15 de Dezembro e do Largo Vasco da Gama. Queremos remodelar de raiz todo o centro do Cartaxo, que é a nossa sala de visitas. O que está programado é mudar o tipo de flores e arbustos por outros que exijam pouca manutenção e baixo consumo de água. Na Quinta das Correias estamos a fazer o mesmo, não temos capacidade para que aquele jardim seja o que foi previsto na operação de loteamento. Também aqui o nosso objetivo é colocar vegetação que exija pouca manutenção e executar a limpeza das margens de linha de água, para evitar que aquelas canas, que dão muito mau aspeto, voltem a crescer. Vamos privilegiar uma zona de relva perto do parque infantil, mas tudo o resto serão arbustos que não exijam consumo de água. A Câmara não tem condições financeiras para ter tanto jardineiro nem para pagar tantas faturas de água.

E quanto ao lixo?
Eu divido essa questão em duas. Uma é a profunda falta de civismo. Qualquer levantamento de uma empresa privada refere que temos contentores a mais. Mas é normal, ao domingo, ter lixo por fora de contentores e outros, próximos, nem a meio estarem. Há uma parte que é falta de civismo e estamos a trabalhar junto das escolas, para que esta nova geração de cidadãos tenha outra sensibilidade. Felizmente, não é a maioria. A maioria dos cartaxeiros são pessoas cuidadosas, mas sabemos que basta haver um em cem para se gerar o caos. O segundo problema é que a recolha de lixo na cidade estava confiada a um privado, e acontece que o concurso aos privados, por duas vezes, ficou vazio. Portanto, hoje é a Câmara, com os seus três veículos, o mais recente tem 15 anos, que assegura a recolha de resíduos em todo o concelho. Uma vez que o conjunto dos municípios da Lezíria do Tejo vão constituir uma empresa municipal para a recolha e tratamento de resíduos sólidos, e como no Fundo de Apoio Transitório está prevista a aquisição de um veículo novo, vamos comprar um carro em segunda mão, que seja um bom negócio para a Câmara e, com o remanescente, vamos investir no transporte escolar, que é uma das grandes carências do concelho.

Não havia obras mais importantes do que as que foram feitas?
Se me dissessem que nesta primeira parte do mandato acabávamos a estrada do Setil, a Rua do Prioste e do Moinho Saloio, a estrada de Santana, infraestruturávamos e alcatroávamos toda a zona do Valley Park, tudo obras paradas há vários anos, nem nós próprios, por ventura, acreditávamos. Trabalhámos para que essas obras fossem uma realidade e hoje estão concluídas. Falam-nos de outras prioridades, mas se nós não acabássemos estas obras até setembro deste ano, uma vez que envolvem fundos comunitários, era dinheiro que tínhamos de devolver.

Mas não acha que as estradas da cidade estão caóticas?
Este executivo tem noção do caos em que estão as nossas estradas e a manutenção do espaço público, mas não temos nenhuma varinha mágica para resolver o problema. A Câmara era estruturalmente deficitária em cerca de quatro milhões de euros por ano. Pagando aos funcionários, pagando água, luz, combustíveis, comunicações, sem gastar um cêntimo em pedra de calçada ou alcatrão, a Câmara estava deficitária em quatro milhões de euros. O que fizemos foi diminuir, pela primeira vez nos últimos sete anos, a dívida da Câmara. Este ano não sei se vamos conseguir manter porque vamos ter o impacto, ao contrário do que dizia o anterior presidente de câmara, da integração da empresa Rumo 2020, que tem um passivo acima dos sete milhões de euros. Mas estamos a fazer o nosso trabalho. Vale a pena ver alguns dados. Além da conquista do PAEL, que foi importante para o pagamento de dívida a alguns fornecedores temos, 26,5% de poupança em despesas de eletricidade, 11,3% nos combustíveis, 16,1% água, 47,2% em publicidade, 14% em fornecimento de serviços externos e 31% em horas extraordinárias. Mas mesmo com estes cortes, aumentámos em 13% o investimento em conservação e reparação do espaço público. Só em limpeza aumentámos o investimento em 21% neste último ano.

Tudo isso é verdade, mas o que nos preocupa é que o Cartaxo não descola, está numa crise, para lá da crise.
Sim, mas hoje a atitude de quem está na Câmara não é a resignação. Não nos resignamos perante o que encontrámos. A atitude é de determinação. Não é o medo de decidir o que norteia a Câmara, mas a coragem de agir e de resolver. Não é o encobrimento, mas a verdade e a transparência. É nisso que estamos envolvidos. Quando digo que esta atitude de abertura mudou, é porque a abertura não foi apenas às outras forças políticas. Nunca na história do Cartaxo, em tão pouco tempo, as forças políticas foram chamadas a pronunciar-se sobre dossiers que são estruturais. Estamos a falar da questão das auditorias, da Cartágua, da preparação dos orçamentos, dos instrumentos do Fundo de Apoio Municipal, do Plano de Apoio à Economia Local, do orçamento participativo. Para além disto, em dois anos, não há também na história do Cartaxo nada parecido, no que diz respeito à auscultação pública. Não podíamos dizer que a Câmara vivia sempre de portas fechadas e não mudar isso. Uma das primeiras ações que fizemos foi chamar os comerciantes do Cartaxo e ouvir os seus problemas, e as soluções que propunham para esses problemas. Em seguida chamámos os comerciantes do mercado municipal. Já fizemos reuniões com investidores… bem, a menos que as pessoas achem que problemas estruturais com doze anos se resolvem, em dois anos, sem dinheiro. Então, que venha alguém fazer melhor.

Não era possível fazer mais pelo comércio local?
No caso dos comerciantes fizemos aqui uma reunião e lancei um desafio: para a Câmara era fundamental haver uma associação de comerciantes do Cartaxo porque, para cada assunto que é preciso resolver, não é possível estar a reunir com aquelas 70 ou 60 pessoas. Nada foi feito. No caso do comércio, não é a associação que vai ter uma varinha mágica que vai levar dinheiro aos bolsos das pessoas, mas vai servir de parceiro, que é fundamental termos. Deixem-me dar outro exemplo: fala-se da questão da noite. Fiz uma reunião em que convoquei todas as pessoas ligadas ao negócio. Vieram muito poucos. Na questão dos horários, enviámos uma carta com o regulamento que temos e pedimos propostas, para avaliarmos se fazia sentido alterar horários. Zero respostas.

Já falámos de dívida. Vamos pagá-la? E será em 50 anos?
Claro que vamos. Julgo que não vão ser precisos 50 anos. Diz a Lei que uma Câmara é considerada sobreendividada quando excede em 1,5 a média da receita cobrada nos últimos três exercícios. O concelho do Cartaxo tem, sem a integração da Rumo 2020, cerca de 4,15 e, com a integração da Rumo, cerca de 4,8. Isto é para termos a noção do desastre a que estas coisas chegaram e saber que a Câmara está de mãos e pernas atadas para resolver as urgências. Não são os outros problemas, são as urgências. Mas a dívida terá de ser paga.

A Nersant vai, ou não, deixar de organizar a ExpoCartaxo?
Bem, qualquer um de nós percebeu que, sem qualquer responsabilidade da Nersant, aquilo que era uma feira para os nossos empresários apresentarem os seus produtos e empresas, veio a transformar-se quase numa feira alimentar. A feira estava a perder a sua natureza agroindustrial. Mas não basta constatar. É preciso agir. O que transmitimos é que a Câmara queria ser um parceiro que assumisse responsabilidades. Com um papel mais interventivo porque, até agora, a Nersant tem estado sozinha. Com mérito, porque sozinha ainda conseguiu ir mantendo a ExpoCartaxo. Achamos que a nossa posição institucional pode ajudar a termos mais empresas da nossa terra.

Fala-se que a Nersant está para sair para Rio Maior…
Não tenho nenhum conhecimento sobre essa matéria, mas seria um grave prejuízo para os industriais do nosso concelho.

O Campo das Pratas vai mesmo ser expropriado?
Fizemos uma derradeira tentativa para fazer uma reunião esta semana, que foi recusada pelo advogado do proprietário e, portanto, a hipótese que surge como mais viável é retomar o processo de expropriação. Neste momento, não estou a ver outra solução. Tentámos tudo, por tudo, para haver um entendimento com o proprietário e os seus representantes legais. Mas penso que esgotámos todas as vias negociais, porque, do outro lado, houve um conjunto de posições intransigentes. Há um erro clamoroso que foi um documento assinado pelo dr. Paulo Caldas, que está neste momento em tribunal, em que é prometido ao proprietário que, se não houvesse uma revisão do PDM em cinco anos, ele teria direito a uma indemnização de 500 mil euros. Este contrato está, em nosso entender, ferido de nulidade, porque esse montante teria de ter sido visado pelo Tribunal de Contas. Também compreendemos que, por isso, o proprietário se sinta enganado. Temos de ver sempre os dois lados. Achamos que há uma posição de intransigência, do ponto de vista negocial, mas também sabemos que o proprietário entende que a Câmara agiu com ele de má-fé no passado e, porventura, essa intransigência tem a ver com essa má-fé do passado.
Há o rumor que poderá renunciar ao mandato para ocupar algum cargo em Lisboa.
Nestes dois anos já tive vários convites para desempenhar outro tipo de funções, privadas, e tive um convite para desempenho de funções públicas, que nem sequer era em Portugal. O que posso assegurar é que não passa pela minha cabeça, de forma alguma, suspender ou interromper o meu mandato para abraçar outro desafio público ou político. Seria uma falta de respeito pelos eleitores que confiaram em mim e nesta equipa.

Isto significa que temos aqui um projeto para mais quatro anos?
Não. Significa que em cada momento da nossa vida temos que avaliar as nossas condições, pessoais, de saúde, familiares. Mas só serei recandidato à Câmara se for escolha do meu partido. Sempre disse que se não fosse a escolha do meu partido nunca me candidataria como independente. É a minha forma de estar na política. Qualquer decisão de recandidatura tem de passar por estas avaliações todas. Como vocês sabem, gerir hoje a Câmara é um risco para o nosso registo criminal, para os nossos bens patrimoniais e é um desgaste muito grande para a nossa família. Eu hoje estou motivado, tenho uma equipa motivada e empenhada, mas quando chegar o momento temos de fazer esta avaliação dentro do meu partido e, se o meu interesse e disponibilidade estiverem em sintonia com a vontade da maioria dos militantes do meu partido, logo veremos.

O que vai acontecer com as celebrações dos 200 anos do concelho?
Posso dizer-lhe o que até agora aconteceu. Constituímos uma comissão onde convidámos, com total independência, um conjunto de pessoas para estruturar um trabalho que definisse princípios orientadores. Juntámos pessoas de várias sensibilidades e áreas, desde o património, a história, a etnografia, o canto, até à área educativa e às empresas. Agora que esses vetores estão definidos, vamos partir para a discussão pública. Vamos fazer uma sessão pública, para que qualquer cidadão possa dar o seu contributo em relação ao programa. Depois, é levar esse programa à discussão à Câmara e à Assembleia Municipal para ser aprovado. A ideia é ter uma grande ligação ao universo educativo e associativo. Temos de aproveitar a rede cultural e educativa que temos montada no concelho, e trabalhar sobre essa plataforma. Mas, acima de tudo, interessa-nos lançar bases sólidas para o futuro. O sucesso das comemorações não será, com toda a certeza, aferido no ano das comemorações. Isto não será um programa com princípio e fim. Queremos que tenha princípio sem fim, e o sucesso será se as iniciativas, a ser lançadas em 2015 e 2016, puderem ser perpetuadas no futuro.

Porque escolheu o museu para cenário desta entrevista?
Porque acho que uma boa parte da estratégia de desenvolvimento do concelho tem de passar por tirar partido dos nossos recursos. E os nossos recursos são isto. Um excelente campo agrícola, uma marca que é o vinho, e casar isto com as questões que têm a ver com o enoturismo. Temos aqui, hoje, o Centro de Competências do Tomate. Estamos a trabalhar ao nível da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo para ter um forte centro de competências para a agricultura e agro indústria na Fonte Boa, que poderá permitir à indústria agroalimentar do concelho criar produtos que tenham valor acrescentado. Tivemos aqui o exemplo do tomate. Se eu vender tomate para culinária, estou a conferir-lhe um determinado valor, mas se o vender para outras utilizações, como sumos, já há mercados, como o Japão por exemplo, onde se paga caro esse tipo de produto. E nós precisamos de centros de competência tecnológicos, que desenvolvam essas fileiras, em que o produto é o mesmo, mas o valor acrescentado é outro. E nós, que até somos dos maiores produtores de tomate, mas podia estar a falar do vinho ou do milho, temos que perceber que nesta economia se ganha mercado pela diferenciação.

O vinho entra nessa estratégia?
Temos a sorte de ter essa marca, sem ter feito grande investimento, só porque um filme, há muitos anos, falou nas termas do Cartaxo. A Câmara tem de ser um agente mobilizador para que essa marca seja alavanca para outros setores. Dizem-nos as estatísticas do turismo do ano passado que o vinho ligado à gastronomia foi o principal fator de atração de turistas a Portugal. Pela primeira vez ultrapassou o sol e o mar. E depois também nos dizem as estatísticas que o turismo religioso ficou em quarto. Ora, o Cartaxo está a 40 minutos da principal central de compras do país: três milhões de consumidores na Área Metropolitana de Lisboa. Depois, estamos a 40 minutos das principais infraestruturas de entradas de turistas: porto de Lisboa, aeroporto e Gare do Oriente. E temos duas saídas de autoestrada e três apeadeiros de comboio. Acho que temos condições privilegiadas. Para os investidores, temos a vantagem de, para eles, sermos Alentejo. Os incentivos para as empresas se instalarem aqui têm esta grande vantagem de, às portas de Lisboa, sermos Alentejo, para acesso a fundos comunitários, com todo o regime de incentivos que isso comporta. Depois, temos no nosso concelho a felicidade de ter o elemento mais estruturante de toda a região que é o Tejo. Ele é tão estruturante que, quando está cuidado, é um recurso fabuloso, quando não está é um desastre ecológico. Temos a noção que a pequena economia local tem produtos de alta qualidade. As nossas compotas, os enchidos, o pão, são também uma grande vantagem.


 

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