A incompreensão face ao desfecho terrível tolda o discernimento do comum mortal. A morte é sempre algo que nos choca, ou deveria chocar, e que se nos acerca nos abala. Quão mais próxima se torna mais frágeis ficamos. Seja na impotência de uma doença grave ou na brutalidade de um incidente inesperado. Mas o suicídio a todos transtorna pelo seu dramatismo latente e pelo silêncio esmagador que traz consigo.
O recente desaparecimento do ator Luís Aleluia trouxe de novo esta dura realidade para a ribalta e para lá da óbvia consternação, obrigou a refletir sobre quão afetados vivemos e o pouco que verdadeiramente sabemos uns dos outros. Esta morte entre figuras públicas engrossa um triste leque de desaparecimentos por suicídio e que se tornam noticia precisamente por terem entrado no mundo mediático. São as faces conhecidas de um fenómeno que é transversal à sociedade e a trespassa sem olhar à condição.
Os números falam. Em Portugal a depressão afeta cerca de 700 mil pessoas. Mas a incidência poderá ser bem maior devido a haver demasiadas situações de negação, desconhecimento da doença e má avaliação da mesma.
Quanto ao sempre difícil tema do suicídio, todos os dias existem três pessoas que põem termo à vida no país. Apesar de esta média ser inferior à da europa e do mundo, onde se dá um suicídio a cada 40 segundos, cerca de 800 mil mortes por ano, a incidência tem aumentado em Portugal nos últimos anos, com uma subida de 22% nos casos essencialmente na faixa etária mais jovem, entre os 15 e os 34 anos.
A gravidade destes números levou a Ordem dos Psicólogos a assinalar o dia mundial da prevenção do suicídio, um fenómeno crescente e preocupante e que revela a imensidão de problemas e sofrimento que afetam cada vez mais pessoas neste mundo também ele doente. Cumpre lembrar que por cada suicídio efetivo, traduzido numa morte, há cerca de 25 tentativas frustradas, o que na realidade nacional poderá significar um universo de aproximadamente 28 mil pessoas que a cada ano levam a cabo tentativas de pôr termo à vida.
As perguntas sem resposta sucedem-se. Nas tentativas pífias de perceber as razões, ou a falta delas, para alguém pôr termo à vida, as conclusões tornam-se unívocas na perceção do quanto andamos a leste do que realmente se passa com aqueles que dizemos ou julgamos conhecer. A verdade crua assola-nos, afinal a maior parte das pessoas reconhece que tem pouco tempo para estar com os amigos e até familiares e que na maior parte dos casos há muito que não tem uma conversa mais profunda e de partilha de emoções.
A solidão é normalmente associada à velhice, à viuvez e isolamento social dos que vivem fora das pequenas comunidades onde ainda se fomentam os laços de proximidade e entreajuda. Mas a realidade mostra que há cada vez mais jovens e adultos em idade ativa a padecerem deste mal tremendo que fragiliza física e psicologicamente ao longo do tempo. Necessariamente os problemas financeiros somam outra parte importante desta complexa equação onde a subjetividade de cada individuo determina a imprevisibilidade face ao acumular de stress e sofrimento. Nunca sabemos o que verdadeiramente cada pessoa está a sentir e a forma como está a conseguir processar a avalanche de problemas que a vida sempre nos traz de uma ou outra forma. E o que para alguns são problemas com soluções aparentemente fáceis, para outros são um Everest impossível de superar. Somos todos experimentais face à vida na sua globalidade. Estamos sempre por acabar, imperfeitos e em constante mutação. As nossas células morrem e replicam-se vezes sem fim ao longo da vida, sendo nós cópias idênticas de nós mesmos, onde a consciência e memória nos mantêm conectados com o mundo e a perceção de nós próprios. Na verdade, estamos em constante autoavaliação, expostos perante enormes espelhos sociais onde as imagens que nos são devolvidas não são necessariamente boas ou fáceis de aceitar e compreender.
E se há indivíduos que tendem a estar tendencialmente bem e positivos, muitos mais existem que vivem no oposto sombrio e tantas vezes imperscrutável, da tristeza, desilusão, descrença e desistência. O mundo lá fora está a atirar cada vez mais pessoas para este lado negro da existência. A incerteza instalou-se no mundo. Nada é garantido e a todos assolam a inquietação e a falta de respostas para cada vez mais questões. A impotência esmaga a confiança e corrói a esperança. E sem uma luz ao fundo do túnel tudo se torna opaco e demasiado asfixiante para tantos de nós. Se pelo meio ocorre um problema grave, seja de saúde ou material, o equilíbrio já de si frágil, quebra-se e o ânimo desvanece. As fugas e respostas podem então ser muitas e diversas. Depressão nas suas diferentes vertentes e graus, alcoolismo, toxicodependência, adição a jogos de sorte e azar, isolamento social e no fim da linha o suicídio.
Cabe a todos nós refletir sobre esta tragédia social e que pode literalmente tocar a todos. Que estejamos mais atentos aos que nos rodeiam e que fomentemos o diálogo e acima do mais a capacidade de escutar, aceitar e compreender, sem julgamentos e cobrança. A resposta estará sempre no humanismo e nos seus valores mais puros, a compaixão, a solidariedade, a amizade e altruísmo, a bondade, caridade e gratidão. Comecemos por sorrir, de modo leve e simples, sincero e amigo, nos mais pequenos gestos diários. O mundo lá fora é duro e está cheio de sofrimento, de guerras e mortes inocentes, de fome e desespero. Sejamos gratos pelo que temos e sejamos agentes da bondade e humanidade. Cada um de nós tem esse poder inestimável. Que o usemos como mote e as nossas vidas ganharão ainda mais sentido. Bem hajam todos. E sorriam. A vida merece ser vivida em pleno e ajudar o próximo é o primeiro degrau do caminho da felicidade.