‘Bagos da Memória’ por Pedro Gaurim
Indignação ou indiferença marcaram os dias que se seguiram ao corte da amoreira do Largo do Matadouro no Cartaxo, efectuado na semana de13 de Maio. A importância das árvores não se resume à satisfação das necessidades primitivas do homem: sombra, fruto, madeira. É difícil entendermos que uma árvore possa ser monumento, talvez porque como organismo vivo, a sua existência tenha um prazo, e estamos habituados a considerar monumentos as criações humanas ou naturais duradouras (castelos, grutas, etc.). Mas lembremo-nos do plátano do Rossio de Portalegre, plantado em 1838 e hoje classificado e famoso.
As espécies vegetais tiveram uma diáspora a partir da região de origem. Grande parte das espécies que vemos em espaço urbano não é autóctone. Portugal devido ao passado colonial e ao seu clima temperado, que beneficia a adaptação das espécies, contém grande variedade.
No passado, os plátanos eram um mito, devido à grande dimensão que atingem e à longevidade, tendo inspirado obras, como o De plátano (1537), de João Rodrigues de Sá e Meneses.
Os portugueses foram fundamentais na difusão das plantas pelo mundo, e têm-se escrito obras sobre este fenómeno, como A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses, de José Ferrão. O Rei D. Fernando (1816-1885), introduziu muitas espécies de outros continentes, especialmente em Sintra, que depois foram adoptadas por todo o país.
Neste contexto, as amoreiras são especiais. Nativas da China, onde primitivamente se fabricava seda, entraram em Portugal, sobretudo a partir do século XVIII, quando o Marquês de Pombal funda a Fábrica das Sedas, havendo plantações na zona adjacente, hoje conhecida por Amoreiras (Lisboa), curiosamente, onde fica o Jardim Marcelino Mesquita, devido à proximidade da casa lisboeta do escritor, na Rua das Amoreiras.
A amoreira é uma árvore de crescimento lento, ligada emocionalmente aos criadores de bichos-da-seda. Há no Facebook inclusivamente, grupos de criadores desses animais que mapeiam as amoreiras, devido à raridade. Não sei se alguém avaliou a idade da amoreira do Largo do Matadouro, mas não tenho dúvidas que era das árvores mais antigas da cidade.
Muitos municípios têm o inventário das suas espécies vegetais identificadas junto do tronco, inventariadas e datadas, disponíveis online e acompanham a saúde dos seus exemplares mais preciosos. Agora que perdemos esta árvore, vejamos como está a saúde de outras árvores emblemáticas da nossa cidade, como a que chamamos árvore de Natal, o grande e velho pinheiro de Norfolk, na Praça 15 de Dezembro e porque não, plantar um campo de simpáticas amoreiras entre a Rua do Progresso e a Rua Dâmaso Xavier dos Santos.
*Artigo publicado na edição de junho do Jornal de Cá.