Opinião de Ricardo Magalhães
Esta sexta-feira, dia 12 de abril, andava pela biblioteca Alberto Romão Dias, na Torre Sul do Instituto Superior Técnico, quando dei de caras com um livro cuja espessura seria o dobro da largura da minha mão. Surpreendido, decidi sentar-me a folheá-lo. A lombada dizia tratar-se de um livro de Engenharia Química de 1957. O desgaste era evidente, mas não tão grande como seria de esperar para um livro daquela idade. Na verdade, encontrava-se bastante bem conservado, quase como uma autêntica peça de coleção. Esperava encontrar uma extensa exposição de teorias e conceitos científicos, mas rapidamente descobri que grande parte daqueles quase 20 centímetros de páginas amontoadas se tratavam de anúncios publicitários das maiores descobertas do ramo naquela época. A minha curiosidade foi assim rapidamente saciada, sem que nada de particularmente interessante me despertasse a atenção.
Manuseando-o com cuidado, repus o livro na estante, preparado para seguir em frente com o meu dia. Reparei então que como aquele livro haviam dezenas de outros, ao que parecia uma coleção da época com publicação periódica. Os meus olhos deambulavam pelas datas inscritas nas lombadas ordenadamente arrumadas, até que ficaram retidos na primeira e mais antiga. 1,9,4 e 5 eram os números inscritos a dourado no fundo preto. Era um ano que para mim dispensava apresentações e que (qual gasolina!) deflagrou, veloz e sem aviso, uma chama na minha cabeça: Segunda Guerra Mundial! Ou mais especificamente, o fim da mesma, que é sempre a melhor parte de qualquer guerra.
Sou um apaixonado pela comunicação e diplomacia e repudio veementemente toda e qualquer espécie de conflito. Mas, em completa e talvez provável oposição, encontro nestes confrontos armados do século passado a maior e mais interessante lição de história. E interesso-me por tudo, desde a sua dimensão política e estratégica até à científica e social. Dispenso sim uma aprofundada elucidação da violência e barbárie desses tempos. Chega-me o amargo e perturbador banho de realidade que tenho de tempos a tempos quando oiço mais um relato desses atentados.
Dizia eu, que incorria agora numa segunda indagação. O estado de conservação deste novo exemplar era bem menor que o do anterior, pelo que o cuidado no manuseamento das folhas se mantinha. Além disso, também ao nível do conteúdo este livro nada parecia trazer de novo.
Levou, no entanto, pouco tempo até que estas letras a negrito, grandes e centradas, fizessem as minhas pupilas dilatarem. O título precedia o texto, enunciando: Science, Politics and Humanity (Ciência, Política e Humanidade). O artigo começava da melhor maneira com uma inspiradora citação do Prof. Henry DeWolf Smyth: “Se os homens, trabalhando juntos, podem resolver os problemas do universo, podem também resolver os problemas das relações humanas neste planeta. Não apenas na Ciência, mas agora em todas as relações humanas, devemos trabalhar juntos com mentes livres.” Seguia-se uma reflexão sobre as exigências que aqueles tempos requeriam da Ciência para com a Humanidade. O alcance das grandes descobertas científicas daquele período, como a bomba atómica, havia originado uma inter-relação entre Ciência e Política e eram frequentes as desconformidades entre as ideias dos membros dos dois grupos. Contrastavam a postura isolacionista dos políticos, preocupados em guardar os “segredos da bomba”, e o que o autor descreveu como um internacionalismo fantasioso da comunidade científica, sem medo de pôr em causa a soberania do seu país.
Sim, toda esta reflexão é historicamente interessante, mas a inexistência de conclusões torna-a numa leitura um pouco sem sal. Recuei uma folha. The German Economic Peace: Hard, Soft… or Workable? (A paz económica alemã: severa, branda… ou promissora?). A guerra havia terminado e os Aliados agendavam agora as penalizações económicas a aplicar à Alemanha. Este segundo artigo tratava-se então de uma análise a este processo, que o autor fez à época enquanto as negociações decorriam. Não entrando muito em detalhes, que poderão ler nas imagens anexadas, irei destacar algumas ideias chave. Ideias com relação estreita com a novela do Brexit que hoje em dia vivemos. Mas que ideias são estas que podemos aprender com este texto de 1945, perdido no tempo há quase 75 anos?
O primeiro golpe de sapiência que nos é ministrado surpreende pela profundidade no conteúdo e simplicidade do método. O autor enuncia que centrar o debate das penalizações económicas alemãs em termos de adjetivos trará poucos resultados. E fá-lo por que toda a discussão pública da época sobre este tema andara em torno de se estas penalizações deveriam ser severas ou brandas. Diz o autor que para que os países colhessem realmente frutos daquela negociação deveriam sim estar focados em objetivos. Assim sendo, e muito sinteticamente, um bom programa seria aquele que promoveria os seus objetivos e um mau programa seria aquele que não o faria.
Também hoje os políticos parecem perdidos nesta teia do Brexit e, entre hesitações, vão promulgando adiamentos a esta saída, com que escondem a falta de ideias para o problema. No entanto, convém reconhecer que estão de mãos e pés atados perante a incompetência e irresponsabilidade do parlamento britânico, perdido em tudo aquilo que a política não deve ser. Para todos os intervenientes, recomenda-se que ponham a mão na consciência e que pensem bem naquilo em que acreditamos e queremos para o futuro dos nossos povos. Esta visão não pode nem deve deixar nunca de guiar estas negociações. Duas pessoas à mesa com um mesmo propósito tendem a chegar a um tão necessário entendimento. Como europeísta que sou, sonho com um futuro em conjunto e tento afastar o rancor provocado em mim pelo hediondo resultado daquele referendo, que veio provar os perigos da ignorância política e cívica que existe e enferma as democracias modernas.
Seguidamente, o autor continua o seu discurso com o mesmo caráter racional com que o iniciou. Em que pontos já estabelecemos um acordo e que matérias geram ainda discussão?- perguntava. O que no seguimento parágrafo anterior, deixa-nos um pouco aquela visão holística e filosófica da humanidade: onde estamos e para onde queremos ir? Mas neste caso, de forma bastante concreta e aplicada ao problema das penalizações. Uma brisa de ar fresco de lucidez, urgente em tempos que tendem a ser de alvoroço e moderada irracionalidade, quer falemos de Brexit ou pós-guerra.
Finalmente, chega-nos a análise ao que podia, na opinião do autor, ser feito para que estes países (Estados Unidos, Rússia e Reino Unido) chegassem a um entendimento. E dizia o autor que era essencial compreender a diferença entre o que eram na altura medidas de controlo de curto prazo, em que havia entendimento e passava por eliminar a produção militar alemã e parte da economia alemã autossuficiente mantida com propósitos bélicos à custa de perdas económicas, e compromissos a longo termo, que sustentassem as partes da economia alemã que não constituíssem uma ameaça de guerra. Segundo o autor, a chave para um entendimento estava em cada uma das partes tentar entender ao máximo a posição das outras. A Rússia deveria entender que não podia obrigar os americanos e os britânicos a subscrever uma permanente repressão à economia europeia que destruiria a milhões de pessoas qualquer esperança de uma normal melhoria económica. E os Estados Unidos e o Reino Unido deveriam tentar perceber a convicção russa de que tinham o direito de ser ressarcidos das suas avultadas perdas na guerra. Só assim se poderia servir o propósito de atingir um balanço razoável sem penalizar excessivamente as futuras gerações de alemães e destruir por completo a economia da Europa Continental.
Também nas negociações do Brexit se exige que haja um real empenho e compromisso de ambas as partes em se compreenderem mutuamente e combinarem esforços para que consigam alcançar uma solução que realmente promova um futuro de maior satisfação e prosperidade para todos nós. Independentemente da maneira como cada um de nós acredite que se chegue lá, em comunhão ou parceria. Cada um deve ter sempre a liberdade de escolher o seu caminho. Mas não escondo que, na minha opinião, os britânicos deveriam ter a oportunidade de se voltar a expressar sobre este tema. E ao dizer isto estou obviamente a referir-me a uma repetição do referendo. É uma medida política perigosa por em alguns casos poder ser moral e politicamente questionável, mas creio que deve ser aberta aqui uma exceção, por acreditar que está mais que comprovada a ignorância e a facilidade com que o povo britânico foi manipulado a votar a saída. Cá em Portugal não somos imunes a isso. Temos tendência a apenas dar valor àquilo que de bom temos quando eventualmente o perdemos. Se há coisa para que o Brexit serviu foi para nos abrir os olhos e ver que há muito a fazer pela Europa, mas que o caminho, esse, faz-se em conjunto, a 27, a 28 ou com outros mais que partilhem os nossos valores e aspirações. Já disse noutra crónica e volto a repetir: o futuro da humanidade não se faz de nacionalismos, mas sim de mutualismos. Todos nós partilhamos o mundo em que vivemos e chamamos casa e, que eu me lembre, as únicas fronteiras que nela existem foram criadas por nós.
Dizia o autor que era tempo daqueles, que combinados alcançaram a vitória, garantirem o estabelecimento de uma paz duradoura. E é de braço dado com esta expressão de James H. McGraw Jr. que me despeço dizendo que é tempo daqueles, que no passado encontraram razões para crescer em conjunto, garantirem que, mais próximos ou mais distantes, estes laços de respeito e amizade não mais serão quebrados. Espero que tenham gostado e aguardo como sempre os vossos comentários e opiniões. Um bem-haja a todos! Espero que não se chateiem por me repetir na citação do mês, mas acho que vale a pena lê-la não duas, mas dez ou vinte vezes, até que o seu sentido não mais saia do nosso âmago.
Citação do mês: “Se os homens, trabalhando juntos, podem resolver os problemas do universo, podem também resolver os problemas das relações humanas neste planeta. Não apenas na Ciência, mas agora em todas as relações humanas, devemos trabalhar juntos com mentes livres.” Prof. Henry DeWolf Smyth