Na mitologia grega Aquiles surge como um herói lendário, grande protagonista da célebre batalha de Troia, mas como em tudo na vida tinha um ponto fraco, o seu calcanhar, zona onde se alojou uma flecha troiana e onde o seu veneno o levou a sucumbir. A mãe de Aquiles, a ninfa Tétis, quis tornar o seu infante imortal e para tal banhou-o nas águas do rio Estige, mas para tal teve de segurar o seu filho e foi precisamente o calcanhar que não ficou imerso nas águas imortais. O herói fez-se homem e chefiou inúmeras batalhas onde saía invariavelmente vencedor, mas chegou o dia em que o seu praticamente indetetável ponto fraco o expôs aos desígnios da morte. Esta metáfora mítica mostra que mesmo as pessoas ou projetos notórios e com muitas valências podem perecer devido às suas fraquezas.
Portugal não foge a esta regra. Tem uma história admirável, foi gigante na era dos descobrimentos, abriu mundos ao mundo e transformou os seus destinos, unindo continentes e povos. Lutou contra castelhanos por séculos e resistiu às pretensões imperiais de Bonaparte, mas a um preço elevado. A ajuda inglesa foi determinante para almejar derrotar Napoleão e as contrapartidas permitiram a ascendência da maior potência mundial à época, com domínio sobre os nossos têxteis e vinhos e mais tarde impondo as suas regras na lógica do famoso mapa cor de rosa em África, impedindo-nos de unir Angola e Moçambique e poder assim criar uma região lusófona sem precedentes. A lei do mais forte imperou e o continente negro foi dividido entre britânicos e gauleses. A história conta o demais com as consequências que ainda hoje se sentem, entre guerrilhas constantes e interesses estratégicos delapidadores das riquezas naturais da imensidão africana.
Portugal, reino antigo e com grande tradição monárquica, quis apear a hegemonia ditatorial dos reis, impondo a república, sistema de cariz francês e que se implementou nas cinzas da mais rica e florescente realeza europeia. Espanha, Reino Unido, Bélgica, Países Baixos, Dinamarca e Suécia mantém-se monarquias, entretanto constitucionais, e não foi por essa razão que não evoluíram enquanto sociedades e se desenvolveram económica e socialmente, almejando figurar entre as mais fortes e notáveis nações mundiais. Por cá vivemos tempos conturbados após 1910, com convulsões sociais, movimentos fraturantes e instabilidade política constante. Salazar aproveitou este enquadramento para aos poucos impor a sua ordem, instaurando o estado novo em 1933 e que só caiu com o 25 de Abril de 1974. Este regime conservador, de cariz fascista, nacionalista e colonialista amarrou o país a uma lógica ditatorial e que mesmo nos mantendo fora da 2ª Guerra Mundial, nos paralisou e impediu que os ventos da reconstrução europeia dos anos 50 e seguintes nos guindassem a níveis de desenvolvimento económico, social e cultural a par dos demais parceiros do velho continente.
Saramago falou da jangada de pedra, de uma península ibérica, isolada da demais europa e entregue a ditaduras férreas durante mais de quatro décadas. Salazar e Franco percorreram os caminhos que Mussolini sonhou e vieram a cair, por cá com uma revolução pacífica, por lá com uma mortífera guerra civil e os seus estilhaços. Mas após a instauração das democracias acentuaram-se as diferenças, a favor de Espanha, que se reorganizou e fez por desenvolver cinturas industriais poderosas, criou vias de comunicação e transportes que as apoiassem e criou as pontes com França e os restantes países ocidentais numa lógica de crescimento imparável. Portugal não o fez e a emigração tornou-se a via de escape e sobrevivência para milhares de pessoas sem esperança e com fome. O país tinha enormes reservas de ouro, mas um povo iletrado, pobre e dependente do estado paternalista. Pelo meio exercia o poder com autoridade militarista, impunha a censura e impedia a atividade política. O país ficou embrutecido, mudo e sem força para mudar os seus destinos durante tempo a mais. A espinha antes revolucionária foi quebrada e o medo fez soçobrar os que ficaram. Só a revolução trouxe de volta a esperança com os ventos da liberdade. No entanto, e mesmo após um conturbado PREC, os desígnios nacionais foram ficando nas ideias, nos discursos e na alienação mirífica dos “salvadores da pátria” nos fervorosos comícios dos anos 80 e 90 do século passado. Pelo meio desperdiçámos os milhões que a CEE, à época, nos fazia chegar e que foram literalmente desbaratados por oportunistas de todas as fações.
Andamos desde esses tempos a tentar colmatar erros antigos e a atenuar o atraso face aos fortes e desenvolvidos parceiros da agora União europeia. Mas continuamos amarrados a estigmas, a paralisias estruturais incompreensíveis e a torrentes de opiniões e críticas que nada resolvem e só confundem o povo. Portugal é um país de treinadores de bancada. Têm a solução para todos os problemas, acham-se os detentores da verdade e sentem-se capazes de mudar o que teima em não querer evoluir. Uma farsa insuportável, mas que a cada ciclo eleitoral nos é servida em bandejas douradas que rapidamente desaparecem, deixando apenas a ilusão atrás de si.
Continuamos a ouvir que urge a mudança do famigerado “sistema” e que o prioritário é implementar a reforma do Estado. Seja lá o que isso significar, porque em boa verdade ninguém ousa entrar a fundo no que as ditas reformas obrigam. Eu ouso. Reformar o Estado irá obrigar a torná-lo mais pequeno, mais leve e ágil e sim, isso significa ter menos trabalhadores no setor público. Com a tecnologia atual, as potencialidades da informática e os novos mundos da inteligência artificial, estas mudanças serão a realidade, doa a quem doer. Saber percorrer este caminho sem deixar ninguém para trás é o grande desafio político dos próximos anos.
Outra reforma essencial é senão acabar, aligeirar a burocracia aos mínimos essenciais. Não é aceitável ter de esperar meses a fio por uma qualquer licença seja de construção ou investimento empresarial. Tempo é dinheiro e ter decisões em apenas alguns dias é fundamental. Para ontem. Sob pena de perdermos definitivamente o comboio do desenvolvimento. E não é compreensível que com o nível informático de hoje se tenha de ficar congelado a aguardar um documento. De uma vez por todas há que ter prazos curtos, compreensíveis e expectáveis. Só assim poderemos crescer.
Muito há por fazer, mas urgente é também baixar a carga fiscal. Não há competitividade com um nível de impostos alto. Em Espanha os combustíveis, os automóveis, os materiais de construção, os bens alimentares, todos beneficiam de taxas baixas e que permitem o investimento e a concorrência, mantendo o poder de compra atrativo e possível e fomentando o crescimento. Por cá temos tudo caro e salários gritantemente baixos. Viver em Portugal é um exercício brutal e muitas vezes desumano. E que invariavelmente tem levado a que muitos tentem trabalhar sob o imenso guarda chuva do Estado e beneficiar dos seus apoios. Apoios estes que se não existissem deixariam um terço da população na quase indigência, económica e social. Ora isto é inadmissível e insustentável. O populismo tem sabido aproveitar o descontentamento crescente e está imparável no mundo ocidental. E a ganhar força e amedrontar os que acreditavam na eternidade da velha democracia bipartidária. O mundo mudou e quem não souber aceitar, interpretar e adaptar-se irá ficar para trás.
O grande calcanhar português é a falta de visão, de estratégia e de coragem. Para passar das demasiadas ideias a ações concretas, bem planeadas e estruturantes, que não dependam da vertigem eleitoral e dos seus interesses obscuros. São Tomé tem de deixar de nos assombrar e temos de uma vez por todas de pensar e agir, sem delongas e sem desculpas. Só assim teremos futuro. Até lá vamos soçobrando aos poucos tal como as nossas florestas sucumbem à voragem dos incêndios. Haja coragem e determinação!