Por Rogério Coito, historiador
Desde que na Galiza foi encontrada a tumba de S. Tiago Maior que se desenvolveu um culto em redor de um templo erguido sobre o túmulo do apóstolo e assim nasceu entre mitos e lendas a cidade de Santiago da Compostela com a sua imponente catedral que desde séculos tem atraído multidões de peregrinos, em tempos passados quase sempre a pé, calcorreando trilhos conhecidos por “Caminhos de Santiago” levados pela fé, pagar promessas ou visitar o local, usando muitas vezes os símbolos e as insígnias que se tornaram o brasão clássico da romagem: o bordão, a vieira e muitas vezes o chapéu e a capa. A vieira é de todos os símbolos o mais popular. Baseado numa lenda muito divulgada na época medieval, conta que trazendo os discípulos do Santo o seu corpo num navio quando chegaram à Galiza estavam fazendo uma celebração de casamento de um principal senhor da terra e que “o cavalo em que andava se meteu pelo mar dentro até chegar ao navio deixando todos em suspenso e muito mais o cavaleiro por se achar coberto de vieiras, ele e o cavalo. E dizendo aos discípulos o que lhe tinha acontecido eles declararam que com aquele milagre quisera Nosso Senhor honrar o corpo do apóstolo e que aquelas vieiras haviam de ser as insígnias do Santo”.
Santiago foi um dos 12 apóstolos de Jesus e o primeiro a ser martirizado, decapitado em 44 d.C. por ordem de Herodes. Foi-lhe atribuído o nome de S. Tiago Maior para o distinguir de outros discípulos, mas tornou-se conhecido por Santiago da Compostela. Foi protector do exército português ficando também conhecido por Santiago Mata-Mouros e tornado padroeiro de várias profissões: cavaleiros, veterinários, camionistas, farmacêuticos, etc. Nos primórdios da nacionalidade tornou-se patrono de uma Ordem militar-religiosa que adoptou com símbolo a espada crucífera ladeada por duas vieiras.
Ao longo de séculos, nobres e plebeus rumaram a Santiago de Compostela cruzando vários caminhos nesta Europa pouco unida. Em Portugal os trilhos eram vários e um deles passava pelo Cartaxo. Quem estudou o assunto e o divulgou e a quem prestamos a nossa homenagem foi a professora Maria José Pêgo que bem documentada apontava, numa visita guiada organizada pela Pulsar, o facto do cruzeiro manuelino junto à igreja matriz poder ter sido um elemento de sinalética no Cartaxo dos caminhantes para Santiago da Compostela. De facto o cruzeiro não esteve sempre naquele local e é possível que tivesse sido talhado para isso. Esculpido num só bloco em pedra de Ançã, tem na sua base quatro vieiras sustentando o monumento. Por sua vez a igreja matriz tem no seu frontispício a simbologia da Ordem de Santiago e no interior o altar-mor servindo um deambulatório para que os caminhantes pudessem circular. Em registos do século XVIII pode ler-se que a Albergaria, depois Hospital de Santa Cruz serviu de albergue onde se acomodavam viandantes “constando de um casarão extraordinário e antiquíssimo”. É possível pois que o Cartaxo tenha participado no papel civilizador de uma rota ao encontro de culturas e povos de toda a Europa.
Rogério Coito escreve de acordo com a antiga ortografia.