O corno manso

Opinião de João Fróis

Há muito que este povo o demonstra, mesmo tendo em si grandes qualidades, quando é chamado a lutar por razões maiores ser aquilo a que, em bom português, se chama de “corno manso”. E não me coíbo de me incluir pois sinto que não tenho feito tudo o que sinto dever e também poder, na luta por um país melhor e mais digno da sua grande história.

A velha ladainha de que fomos quebrados enquanto povo pelos duros anos do Estado Novo não colhe pois basta olhar para a vizinha Espanha, igualmente a braços com anos de franquismo e inclusive uma destrutiva guerra civil e quando sentem que as coisas não estão bem saem à rua, juntam-se e formam correntes poderosas de indignação, pedindo responsabilidades e exigindo as mudanças que urgem ser feitas. O contraste por cá é evidente. Somos um povo quebrado sim mas na sua força coletiva, na sua dignidade ancestral de lutadores e conquistadores de novos mundos. Tornámo-nos essa “coisa” bafienta e desinteressante de um povo de brandos costumes. Brando é o lume nos cozinhados para não queimar a comida. Brando é o clima atlântico e que já teve melhores dias. Ser brando nos costumes demonstra um povo acomodado, dependente de um estadão que ajudou a criar e sem a força interior, a crença e alma que fazem dos povos grandes nações. Falta a chama revolucionária que houve em Portugal no séc. XIX e primeiras décadas do XX. Nessa época a convulsão social era constante e até desproporcionada mas eram tempos de causas, de ideais e lutas ferozes pelos mesmos. Soubemos desmontar uma monarquia em agonia e instaurámos uma república cheia de energia pulsante e grandes mobilizações, sendo interrompida durante mais de quarenta anos até se libertar para um segundo fôlego.

Algo se perdeu nestas décadas e as gerações seguintes embalaram as asas da liberdade e o sonho antigo da democracia mas sem a consistência e profundidade e fulgor de outros tempos. Entrámos em derivas políticas, lutas de pelouros e entregámos as chaves da casa comum a interesseiros e menos interessados na defesa de todos nós e dos superiores interesses nacionais. Permitimos que o estado se tornasse gigante e obeso, cheio de favores e favorecidos e a corrupção entrou de mansinho nos hábitos do sistema. A entrada no mercado comum deitou por terra aquilo que era genuíno e ligado à terra, a mesma que agora arde tragicamente sem apelo nem agravo. Vendemos os anéis e ficámos com os dedos. Mas são dedos que não se unem nem agregam, são dedos que virados sobre si mesmos, umbilicais e nepóticos, quebradiços. Dedos que continuam a votar em políticos medíocres que estes novos tempos desmascaram, felizmente. Dedos que não se erguem para denunciarem as injustiças nem tão pouco se juntam para “agarrarem” a pulso as causas de todos nós, lutando contra os que demonstram não saber nem querer fazê-lo, condignamente.

Estes meus dedos não se vergam nem acomodam e lutarei sempre por um país melhor e mais digno, mais justo e igualitário.

Perante as tragédias que nos têm assolado temos assistido à falência com estrondo de um estado incapaz de nos proteger e defender. Para pior, ouvimos e lemos os responsáveis políticos a demitirem-se em direto das suas cabais competências e responsabilidades públicas e políticas, causando perplexidade e espanto. Dizem-nos que nos devemos habituar à inevitabilidade destes fenómenos trágicos. E nada fazemos para os acautelar e amenizar? Ficamos à espera que a morte nos chegue num mar de chamas horrendas? Os olhos abrem-se perante tal absurdo dito por alguém como um primeiro-ministro e que em tempos foi quem gizou o sistema de proteção civil que, agora já nesta qualidade, colapsou por completo e com o estrondo ensanguentado de mais um centena de vítimas inocentes. Ainda mal refeitos de tamanha afronta ouvimos o seu secretário de estado a pedir-nos para sermos mais resilientes… mais o quê? Por acaso este senhor conhece o alcance do que afirmou? Parece que não e mais valia ter ficado de boca fechada. O povo tem sido magnânimo na forma como tem encaixado meses de incêndios que tudo têm destruído, levando vidas humanas nos seus ventos tórridos e deixando um rasto de cinza atrás de si. Tem sido paciente na longa espera pelas ajudas que tardam em chegar. Resistente e abnegado na reconstrução possível do que urge ser levantado. Forte na união perante a dor e o sofrimento de comunidades envelhecidas e mais desprotegidas. E vem um (i)responsável político pedir que nos saibamos salvar a nós mesmos? Pois meu caro secretário deste triste estado, isso foi o que centenas de pessoas fizeram a lutar pela sua sobrevivência, entregues a si mesmos na falência de uma Proteção Civil pejada de amadorismo, desnorte e incompetência. Males que parecem coexistir na governação para mal dos nossos pecados. E para embelezar esta trágico-comédia de mau gosto, a ministra da administração interna, não assume as suas responsabilidades políticas ao não se demitir de pronto e termina com uma pérola negra ao afirmar que para tal mais valia ir de férias…

O silêncio impõe-se perante tal absurdo mas esta conjuntura de pessoas, atitudes e ideias por detrás desta enorme peça dramática, não pode de todo continuar. É certo que sou, apenas e só, um mero cidadão que expressa a sua opinião por escrito e a partilha num meio de comunicação social e também nas redes sociais. Assumidamente. Mas entendo que chegámos a limites que não têm nem podem ter retorno. Quando um primeiro-ministro nos fala em tom burocrático e nada de novo nos traz, afirmando lugares comuns que já adiantara no rescaldo da tragédia de Pedrogão Grande, quando não assume as responsabilidades da falência total da Proteção Civil, aquela que nos deveria em primeira linha tudo fazer para proteger e mantém em funções uma ministra sem quaisquer condições políticas e de credibilidade, então é toda a governação que está em causa. Se um governo não se mostra capaz de defender o bem supremo que é a vida dos cidadãos do país que o elegeu, então só há uma saída, a sua queda.

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O presidente da República não se manifestou à hora que escrevo e não sei que decisões irá tomar mas para mim só há um caminho, a queda do governo e a marcação de eleições antecipadas. Não basta trabalhar para o défice e para a boa imagem junto das instâncias internacionais, não basta propalar as benesses da economia e a retoma dos benefícios públicos perdidos. Tudo isso soa a demagogia e populismo barato. São razões que perante a perda grosseira de vidas humanas caem e ficam em segundo plano. Olhar para o país e para as suas reais condições de vida tem de ser uma prioridade, algo que nestes pouco mais de 40 anos de democracia nunca o foi. Mas tem mesmo de ser. Reformar o país é primordial. Inadiável. Urgente. Reorganizar a floresta é apenas uma das muitas tarefas hercúleas que temos em mãos mas no entretanto muito há a fazer e isso passa por governar para as pessoas, em proximidade, e com os seus interesses, anseios e preocupações na linha da frente de toda a ação política. Andar na estrada, como há poucas semanas, a pedir votos é muito pouco e demonstra o quão oportunistas são os candidatos a qualquer cargo público e de poder. Também por isso, volto a lembrar algo que defendo desde sempre, a criminalização das decisões políticas na pessoa dos seus autores, seja civil, seja penalmente. Só com a credibilização do exercício da governação podemos almejar a ser um país melhor e mais evoluído. Até lá andamos a ser entretidos e enganados, tal como o bom do corno manos, com frases de circunstância, promessas bacocas e leis que não saem do papel. Termino com uma pergunta: quantas mais pessoas terão de morrer neste país, em tragédias semelhantes, para finalmente se tomarem as decisões que há muito deveriam ter sido encetadas? Um milhar? Dez mil? Cem mil? Ou terá de chegar um qualquer tsunami à Praça do Comércio para que as dores se sintam finalmente no seio do poder? É com a revolta própria de um cidadão português, que sente a dor e a tristeza de tantos seus congéneres, inocentes e entregues a si mesmos, numa luta desigual, que digo “Chega”. Por mim este governo perdeu toda a credibilidade e confiança e não considero que tenha condições para nos poder continuar a governar! A realidade é má demais para nos calarmos e assentirmos mansamente na continuidade despudorada desta tragédia política e falência do estado.

E termino com uma ressalva que se impõe. Este entendimento vai muito além de qualquer cor política, fação ou militância, que não tenho. Está em causa o país, a sua governação e a defesa de todos nós e do bem supremo que são as nossas vidas. Perante isto e na falência da sua defesa, são os projetos e as pessoas que os encabeçam que estão em causa. E devem sair de cena, seja de férias ou em modo permanente! Para o bem nacional. Obrigado.

Isuvol
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