Estudar? Estudar para quê? Era esta a questão que, nas décadas de 50-60, aflorava, em permanência, nos vários círculos do concelho. Se havia algumas pessoas que, inconscientes pelo seu desconhecimento e alguma dose de sensatez, se colocavam à margem desta questão, deixando o tema aos entendidos, muitos eram aqueles que, com ou sem conhecimento de causa, faziam questão de opinar acerca da mesma. Enquanto uns defendiam que o ato da escolha de enveredar pela via estudantil era útil e benéfica, muitos outros argumentavam que isso do estudar era só para ricos e vaidosos. Argumentos eram os mais variados: enquanto uns quantos avarentos diziam que, “hoje em dia, com tanta gente a estudar, não vai haver colocação compatível para todos”, também havia quem advogasse que sim, senhores, o seu filho, apesar de ter que trabalhar de dia para ajudar às despesas da casa, também ele entraria na vida académica, ainda que fosse no ensino noturno. É verdade que a idade condicionava esta modalidade, já que as matrículas estavam vedadas a menores de 14 anos, mas se o rapaz, a trabalhar desde os 10 aos, já tinha dado provas de possuir arcaboiço, tarimba e espírito de sacrifício, também estaria apto a enfrentar a vida académica noturna, acumulando-a com a de pedreiro, aprendiz de oficina ou balconista.
Se os estudantes diurnos do Externato Marcelino Mesquita, do Liceu Sá da Bandeira e da E I C de Santarém, já estariam, de certo modo, encaminhados, os candidatos sobrantes também tinham que fazer pela vida. Não adiantava vociferar, lamentando a falta de posses ou qualquer outro óbice e, muito menos, sentirem-se marginalizados. E, no sentido de contrariar aquele quadro, foram aparecendo, aos poucos, uns voluntariosos, qual Mem Ramires, decididos a avançar sobre Santarém.
Na maioria eram caloiros, como eu. E enquanto um grupo se deslocava por meio das carreiras de autocarro, outro, achando que essa modalidade era incomportável para as suas posses, muniu-se de bicicletas a pedal e vai disto: Cartaxo-Santarém-Cartaxo. Chovesse, trovejasse ou geasse, os horários das aulas eram para cumprir. Havia cheias no Tejo? As águas, submergindo as vinhas na zona da Ponte da Asseca, já haviam subido meio metro acima do dorso da estrada de asfalto? E, isso, que tinha?!… Não havia um muro, ao longo do qual se podia fazer equilibrismo com a bicicleta às costas? Então, era mesmo esse o caminho. Faltar às aulas é que não.
Éramos uns 12 ciclistas, sendo 2 de Pontével, 3 de Vale da Pinta e 7 do Cartaxo. Pelo caminho, íamos arrebanhando mais 2 em Vila Chã de Ourique e outros 2 no Vale de Santarém. Havia, no entanto, 1 que possuía motorizada. Como naquelas idades (14-18) todos têm a mania da competitividade, senão de superioridade sobre os demais, as idas e vindas eram feitas em pedalada a alta rotação. O protótipo das máquinas diferia bastante: enquanto umas não passavam de meras pasteleiras, com roda 26, uma só pedaleira e carreto 18, pesando para cima de 20 kg, outras, muito sofisticadas, que não pesariam mais de 8 kg, tinham roda 28, pedaleira dupla e carretos entre o 13 e o 25, autênticas penas.
Crónica publicada na edição de fevereiro do Jornal de Cá.