Mas como, em termos de bicicletas, a rapaziada não era muito apologista de cicloturismo, e recorrendo ao sangue na guelra próprio daquelas idades, quase todas as noites havia refregas, a bom pedalar, entre o Cartaxo e Santarém.
Certa tarde de julho, quando o grupo se encontrava em formação, na Praça 15 de Dezembro, junto à praça de táxis, a fim de rumar a Santarém, passaram pela zona, mesmo em frente aos nossos narizes, em bom ritmo, dois ciclistas do Águias de Alpiarça, que, pelo que se supunha, andavam a treinar, a fazer preparação para a Volta a Portugal, prova que se avizinhava. Um era o “independente” Amílcar Mateus, o outro, mais novo, ainda “amador”, tinha o nome ou apelido de Jacinto. Os dois ciclistas desceram a rampa do Augusto Ferreira, deram a volta pelo Cruz & Jarego, subiram pela EN 3, e voltaram a aparecer na Praça 15 de Dezembro, onde nós, de combinação feita, os aguardávamos. Julgo que os dois terão reparado no nosso grupo, já que, com toda aquela parafernália de bicicletas ali expostas, difícil era passarmos despercebidos. Vimos que o duo alpiarcenses tomara o rumo de Santarém, agora, era a nossa vez de o fazer. Por isso, seguindo-lhe a peugada, quando chegámos à Churrasqueira Ribatejana, já íamos colados na sua roda. Naquele momento, fomos recebidos com desdém, acompanhado de sorrisos cínicos, como quem diz: – Esperem, seus nabos, que já vão ver como é que se pedala!… Mas isso, a nós, putos imberbes mas vaidosos, não nos atormentava.
Na subida de Vila Chã, com um primeiro safanão, o nosso grupo abanou e, a partir daí, apenas quatro de nós os acompanhavam. Depois, no Alto do Vale, a mais um esticão, respondemos com a nossa união. Daqui em diante, embora em bom ritmo, tudo seguia sereno. Porém, passando pela Quinta do Líquis e entrando nas Padeiras, assim que a estrada começou a inclinar, o Amílcar deu uma forte sapatada, mas o primeiro a rebentar foi o seu benjamim Jacinto. A meio da subida já só dois de nós prestavam guarda-de-honra ao primeiro. No fim, em frente ao Posto da PVT, o sprint final teve três protagonistas, mas o Jacinto, tendo-se atrasado um pouco, já não assistiu à nossa chegada. Para nada! Peneiras da juventude…Não tivéssemos ilusões, porque pedalar 13 kms não se comparava a uma etapa em linha, de cem ou mais kms, mas lá que tínhamos a mania, isso tínhamos.
Lembro-me de muitos dos que compunham aquela comitiva. Dois eram pontevelenses, o António Silvestre e o Vasco Pego. O primeiro, talvez por ter mais arcaboiço, também tinha a bicicleta mais pesada de todas, mas enquanto o Vasco já vinha a pedalar desde Pontével, o primeiro, como era empregado do Dr. Rocha Homem, partia do Cartaxo. Depois, de Vale da Pinta, vinha eu, o Humberto e o Luís Gaia. Do Cartaxo, eram o Zé Florindo, o Zé Octávio, o Fernando Mil-Homens, o Rogério Fanã e o Jorge Xavier. Depois, mais à frente, no Vale de Santarém, tendo nós quase meio caminho andado, aguardavam-nos os Isenteiros Mesquita e Francisco Vassalo. O nosso colega Rui Fonseca teve o privilégio de se fazer transportar na sua “Famel Foguete”. Era bem mais fácil. E para o ano, como seria?
Crónica publicada na edição de março do Jornal de Cá.