O Corpo Discente do Concelho (III)

Crónica de José Caria Luís

Avizinhava-se o ano letivo de 1962-1963. Nos anos anteriores, as deslocações noturnas dos discentes, em bicicleta, para Santarém, de ida e volta, não tinham sido fáceis. Duran­te os meses de invernia, por muito querer e garra juvenil que se pudesse alardear, o corpo não era de ferro. Sobretudo para quem, como eu, já tinha completado uma jornada de trabalho duro e mais uns 40 kms de bicicleta, ainda ter que enfrentar mais outros 40, em saga noturna, espécie de duplicado, a tarefa não era fácil. Urgia, pois, dar a volta à situação, concebendo um tipo de transporte alternativo. Formou-se, então, uma comissão ad-hoc cujo propósito seria entabular negociações com as diversas empresas de camionagem, daquelas que demandavam o Cartaxo, a fim de se conseguir, a preços módicos, um autocarro que nos garantisse alguma comodidade e, quiçá, mais segurança.

Após algumas démarches, e com a adjudicação a favor do “Vinagre, Lda”, entrou em funções um miniautocarro, creio que de 25 lugares se ntados, mas cujos assentos muito raramente sentiram o peso e o contacto do traseiro de certos energúmenos. É verdade. Sentados, era coisa que quase nunca acontecia naquela amálgama de gente mal formada e pior comportada, salvo raras exceções como, por exemplo, as duas meninas que tiveram a desdita de fazer parte dos passageiros daquela carripana pejada de tal deprimente turba. As alunas, colegas de viagem, Lurdes Pina e Alice Gaspar, devem ter-se arre­pendido mil vezes da hora em que decidiram anuir a tais companhias. As moças, a par do motorista Sr. Joaquim, eram das poucas pessoas bem comportadas dentro daquele aca­nhado meio de transporte. Que gente tão insubordinada e tão mal formada que lhes havia de sair na rifa. Desde cantilenas da treta, anedotas a roçar a boçalidade, pulos e urros, de tudo se viu. A Lurdes, sempre que passava por algum de nós nas ruas do Cartaxo, baixa­va a cabeça e passava-se para o passeio oposto. E eram as meninas filhas de soldados da GNR, senão… pior seria.

Além dos nomes já elencados na pretérita publicação do JdC, daquele grupo que se fazia transportar em bicicleta e que neste ano optara pela carripana, entraram, além da citadas Lurdes e Alice, o Rui Martins, o Tibério, o Galinha, o Rogério sapateiro, o An­tónio J. Baeta, o Zé dos Amiais, o Domingos Caramelo, o Ludgero Capeleiro, o Ângelo Pego e o Acácio. Mais um, menos um, éramos perto de um quarteirão de jovens, pela medida antiga.

Quando se muda de sistema nem sempre se colhem benefícios em todos os seus parâmetros. Senão, vejamos: o miniautocarro saía do Cartaxo por volta das 19h15, mas a par­tida de Santarém era às 23h00, o que condicionava sobremaneira o modus vivendi daquela juventude. De facto, no que concernia a eventos em sociedade, o leque era bastante limitado. A bola e o “Bonanza” eram ao domingo, mas, fora isso, além de um ou outro programa televisivo em que metia película com porrada de criar bicho, ou aquele bailari­co que os chicos-espertos da aldeia tinham programado para o sábado, com início às 20h00, o que, por razões óbvias, nos tinha sido vedado. Mas havia mais, como se comprova no capº IV.

Crónica publicada na edição de abril do Jornal de Cá.

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