O Corpo Discente do Concelho (IV)

Crónica de José Caria Luís

Na E. I. C. de Santarém, o pessoal estava bastante disperso. Com cursos e anos distin­tos, horários muito diversificados em que todos tinham que esperar até à saída do último elemento das aulas, não era fácil conjugar a saída do grupo para o Cartaxo a horas decentes. Na verdade, nos tempos da bicla, sempre havia a possibilidade de dar o salto para a santa terrinha, onde nem sempre havia muito que fazer, salvo umas passagens, rua abaixo rua acima, à cata de algumas miúdas, ou deitar o olho no café local, onde algumas estariam a ver as séries Bonanza, Dr. Kildare, o Santo, ou o Homem Invisível. Ainda nos tempos da bicla, no mês de maio, a nossa sorte eram as novenas. Em andamento de contrarrelógio, desde Santarém, sempre dava para ver as meninas à saída do evento religioso. Mas só ver, e ao longe, porque, qualquer de nós, com a farpela toda encharcada pela sudação, nem a moçoila menos prendada da terra se agradaria de tais bacanos. Porém, desde que se optou pela carripana como transporte, tudo ruiu.

Como era, então, passado o tempo de espera na cidade de Santarém? Na falta de proventos, que nos coibiam de desfrutar de outras veleidades mais profanas, valiam-nos as passagens do carismático Clementino pelo adro da Escola. O tipo, trajando de avental e pantufas, qual serviçal noturna, transmitia uma carga energética ao pessoal que desatava tudo ao piropo e à malcriadice. Também o santareno Pimenta, sempre que por ali deambulava, fazia as delícias do pagode. O fulano tinha a mania do Jiu-Jitsu. No sentido de pôr o pessoal em respeito, ameaçava-nos com um golpe de Jiu-Jitsu 47. Pelos vistos, ele teria os seus golpes todos numerados. A propósito do Pimenta, o assalto ao paquete St.ª Maria tinha ocorrido na altura. Ainda não se sabia do seu paradeiro e, a esse propósito, muito se especulava. Então, esse facto também era argumento da malta para amofinar o Pimenta, dizendo: – Ó Pimenta, tu é que tens o navio escondido debaixo da cama! Vai mas é entregar o barco ao homem! – o homem, subentendia-se, era o Salazar.

Também algumas serenatas, previamente combinadas, entre a escumalha de alunos da Escola Industrial e Comercial; do Liceu Sá da Bandei­ra e da Escola de Regentes Agrícolas, tinham lugar na velha Scalabis. Os recontros, quase sempre a partir das 22h, ti­nham lugar no jardim, em frente à Camionagem Ribatejana, ou no Campo da Feira. Sendo este último local menos vigiado pela P.S.P., havia livre-trânsito e tempo para es­murrar e ser esmurrado. Mas eles gostavam!… Todos gostavam: tanto os que assistiam, como os que davam e levavam. Tanto assim era que, amiúde, repetiam a dose.

De uma vez, a anunciada estrela da E.I.C.S. para a peleja noturna era o meu colega Pazadas. Largos ombros, arcaboiço a condizer, pernas arqueadas e com um par de manápulas que metiam respeito, foi-lhe confiada a nobre missão de pôr na ordem um tal rufia da Escola Agrícola. Nós, fiéis seguidores do Pazadas, exultávamos com o tareão infligido ao lavrador. Foi tal a surra que até foram chamar o prof. Chambel, subdiretor da E.I.C.S. para, através da sua veia diplomática, pôr cobro ao descalabro.

Crónica publicada na edição de maio do Jornal de Cá.

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