O cravo que murchou

Por Ricardo Magalhães

Celebrar o 25 de abril é celebrar o dia mais importante das nossas vidas. Foi assim que comecei o meu discurso em representação do Partido Socialista na sessão solene de comemoração dos 49 anos da democracia, junto à Igreja do Cartaxo. Uma cerimónia abençoada com a luz imensa do Sol que reluzia e tingia de alegria vibrante o vermelho dos cravos que usávamos ao peito.

O cravo. Sinónimo de paz, liberdade e esperança. De solidariedade, amor e comunhão. O cravo. Que enobrece a lapela dos corações livres, pequena demais para abraçar o seu valor. O cravo. Que espalhado pelas ruas, edifícios e cestas faz da nossa a mais bela das revoluções.

E tudo começou, porque, quis o destino, que naquela mesma madrugada que Sophia esperava, um restaurante estivesse para abrir na cidade de Lisboa. E que, num momento profético, o seu proprietário tenha pedido a Liberdade (nome fictício com que simbolicamente batizo a sua funcionária, na falta do seu nome verdadeiro) que comprasse cravos, com que agraciariam os seus clientes nesse primeiro dia.

Pois bem, a revolução ocorreu e a inauguração não. Foi pedido a Liberdade que levasse os cravos, que os mesmos murchariam. E foi no caminho a pé até à sua residência, que Liberdade se foi cruzando com todo um povo que havia saído à rua a proclamar o seu nome, acompanhado pelos capitães de abril que a história guardou como heróis. Foi então que Liberdade, num gesto que nasceu para a eternidade, aos heróis flores estendeu. E cada um desses homens, num reflexo não menos iluminado, com elas bem alto o país reergueu.

Tal como nesse ano de 1974, o dia em que “todos os sonhos são possíveis” terminou. E, chegado a casa, olhei para o cravo, que murchara. O tempo passara e se deteriorara o seu vigor. E a beleza, que outrora me iluminara os olhos com cores de amor e esperança, partira para nunca mais voltar.

Amanhã era um novo dia e um novo cravo haveria para colher. E também assim se faz abril. Só com uma afirmação contínua dos valores que guiaram Salgueiro Maia, podemos diariamente colher a liberdade.

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