O Dino, “La boulangerie de Ventabren” e a Emília do Sítio do Pica-pau Amarelo
Opinião de Gil Moleiro
Aterrei no aeroporto de Marselha na véspera de fazer 42 «primaveras». Tinha à minha espera o meu cunhado, nascido e criado em França. Lembro-me perfeitamente da primeira coisa que ele me disse: «agora é a sério, tens de falar sempre em francês!».
Pronto, e é ao ouvi-lo que de repente me comecei a questionar: «afinal, sou bilíngue ou apenas me desenrasco nisto de falar em francês?», «será que consigo manter uma conversa sobre hortofloricultura ou sobre os aborígenes de alice springs» ou «será que vou ser mais um daqueles emigrantes que, como não percebem patavina do que lhes estão a dizer, estão sempre a sorrir na esperança que a conversa não seja sobre doenças terminais ou sobre uma ninhada de cachorros que acabou de «calçar» um carro».
Mas mais importante do que todas estas questões, assaltou-me outra, nuclear, fundamental na vida de um emigrante, a saber: «Será que consigo ir à padaria comprar pão?!». A resposta não tardou… Na aldeia onde agora moro, existe uma padaria/ pastelaria, tipicamente francesa, cuja variedade de bolos e de pães deixa qualquer mortal faminto. Idealizas então que podes entrar e contemplar, em ambiente de paz e harmonia, toda aquela oferta… mas não, naquela padaria não podes! E «porquê?», perguntam os meus amigos. Porque trabalha lá uma loira que parece a Emília do sítio do Pica-Pau Amarelo e que não deixa! Sempre que é ela a atender penso duas vezes se compro pão ou entro na farmácia ao lado para comprar pensos rápidos.
Vou-vos explicar tudo: Da entrada ao balcão distam cerca de 5 metros. Mal entro, ela solta um estridente “bonjour”, uma coisa estranha, qual gato a miar. Manda-me um grande de um sorriso para, logo a seguir, fechar-se-lhe o rosto e partir com fúria, àquela distância, para a pergunta “o que vai ser hoje?”… Acontece que entre esses 5 metros que nos separam estão sempre umas 3 a 4 pessoas que já foram rapidamente servidas pela Emília e que apenas estão a pagar… como eu não consigo decorar os nomes dos pães, porque a Emília simplesmente não me deixa, digo lá do fundo: “quero uma baguette”.
Às vezes tenho sorte e há a clássica baguette. Outras, tenho azar e ela diz que não há, e é nesse momento que o inferno se concretiza à frente dos meus olhos… Remata logo “quer levar então o quê?!” Eu já todo transpirado, pergunto o que há e a Emília, no seu miar, diz rapidamente que tem o “anz”, o “chonissons” e o “patati”, pelo menos é o que eu percebo da boca do anti-cristo. Deserto que aquele tormento acabe, digo rapidamente, mas baixinho: “levo 2 chonissons” e ela, do alto da cabana que suporta sobre a sua cabeça, diz “pardon?”. Eu elevo a voz e digo já todo nervoso: “quero 2 chonissonssssss!” E é neste momento que todos se viram para mim… uns com cara de cheira-me aqui a cáca, outros, desejosos de sair dali para ir rir de uma coisa que certamente nada tem a ver com a cena e que lhes aconteceu no primeiro trimestre de 2009. Assim, tenho de tomar uma decisão: ou passo a comprar pão no intermarché ou aumento o meu stock de pensos rápidos…