O elefante na sala

Opinião de João Fróis

Neste mundo repleto de imagens rebatidas ad nauseum nos media, há uma que marca a atualidade acima das demais. Donald Trump a fazer tábua rasa do protocolo internacional e a deitar por terra o respeito por sua majestade a rainha de Inglaterra. Ver Trump, qual elefante desajeitado, a deambular em frente a uma atarantada rainha Isabel só não é o pior porque o desplante sobranceiro que o presidente dos EUA ostenta no seu sorriso tresloucado, nos atira para a lama das relações entre países ditos amigos e pares nas maiores instâncias e instituições mundiais.

A arrogância ignorante com que desprezou a rainha da velha Albion tem a outra face no orgulho desmesurado com que cumprimentou e adornou o ditador da Coreia do Norte, endeusando um déspota que mantém o povo na idade média e no limiar da sobrevivência.

Este elefante pesado e narcisista é cada vez mais perigoso na frágil sala de estar onde convivem os líderes mundiais, ameaçando quebrar mais do que os protocolos, os velhos acordos da Nato e a cordial relação com a velha Europa, hostilizando-a como inimiga, algo nunca antes visto desde a normalização diplomática pós independência no séc. XVIII.

Este efeito dramático dos desvarios de Trump tornam-se ainda mais notórios quando o comparamos com um elegante e cordial Obama, seu antecessor. Barack foi o presidente que o mundo queria e a sua notoriedade foi sempre maior fora de portas do que na manta de retalhos que a federação americana se vem a transformar. As divergências entre os ricos e populosos estados da costa atlântica e Califórnia face a um enorme centrão conservador e sectarista vão-se agudizando e as constantes ameaças e provocações de Trump não só as inflamam como tornam inconciliáveis. O slogan “America first” é muito mais do que uma parangona eleitoral e um chavão político. Representa a ideologia populista, desenfreada e perigosa de um homem que vê o mundo como inferior e necessariamente a ter de prestar vassalagem ao todo poderoso Tio Sam. E que nessa deriva lunática, a exemplo dos filmes de ação, vai elegendo inimigos contra os quais trava batalhas tão despropositadas quão explosivas para a paz mundial.

Há muito que defendo que os sistemas políticos pecam por um enorme defeito maior que todos os outros, ao permitirem que indivíduos sem competências e qualidades demonstradas para o exercício de governar, o possam fazer, com todos os riscos que essa deriva pode acarretar para os governados e para o mundo em geral. Tudo piora quando falamos do presidente da ainda maior potência mundial, em que toda e qualquer atitude assume um impacto à escala planetária.

Já não é só o rasgar dos acordos climáticos, atrasando uma resposta ao aquecimento da atmosfera que ameaça toda a vida terrena. Já não é só o desdém com que trata a UE e as constantes picardias com a China. Ou os vergonhosos atentados à ética e respeito pelos direitos humanos que o cárcere de crianças em jaulas demonstrou sem pejo. Este elefante psicótico e desmesurado é uma ameaça real ao mundo em que vivemos, sendo a sua imprevisibilidade doentia a maior das ameaças à paz mundial.

Ler
1 De 422

E o efeito mais perigoso das diatribes deste imenso elefante cheio de si é acelerar algo que muitos apenas previam para daqui a 30 anos, a deriva do centro de poder mundial para a Ásia, com o centro na inevitável China e bem ancorada numa Índia em explosão demográfica e económica. Se atentarmos que quer o Japão, quer a Coreia do Sul, economias poderosas, demonstram estar há muito preparadas para liderarem os ventos da modernidade, cabe à velha Europa tomar as melhores opções e não virar as costas a leste, desconfiando do oeste que mais do que nunca parece querer isolar-se de tudo e todos.

A esperança encontramo-la nos olhares sábios dos velhos elefantes que ainda vão sobrevivendo em África e Ásia e que sempre souberam respeitar quer a mãe natureza, quer as suas leis poderosas, onde o equilíbrio entre espécies é a maior de todas as regras.

Nunca o símbolo do partido republicano dos EUA teve tão irónico intérprete. O elefante do partido tem agora uma vida bem real, com tanto de dramático como teatral, de inusitado como perigoso, de xenófobo como doentio. Esperemos que sem danos imediatos e colaterais que a todos ponham em causa. Haja fé e abnegada resiliência face a um mundo à beira do colapso.

Isuvol
Pode gostar também