Gostemos ou não dos EUA, a verdade é que somos invadidos pela sua cultura diariamente e por tudo o que política e militarmente aquele país faz. Durante anos foram o arauto da defesa do mundo, com presença física em vários quadrantes do globo, intervindo como “salvadores” da democracia e dos superiores valores que a ONU encarna. O Vietname ficou lá atrás no tempo mas o Iraque veio abalar esta confiança quase cega neste super polícia do mundo ao destapar as verdadeiras razões da intervenção militar e da queda dos regimes autoritários naquela região. O que lhes sobreveio não foi melhor e a ligação aos interesses do petróleo e à proteção velada ao regime da Arábia Saudita, empalideceu esta imagem e obrigou a um volte-face na política internacional norte-americana.
Hoje os tempos são outros e assiste-se a intervenções cirúrgicas, assentes em drones teleguiados e missões calculadas ao extremo. Sem baixas e sem perdas na popularidade em Washington.
Entretanto e após cansativos meses de primárias, eis-nos chegados à porta das eleições, com Hillary a tentar congregar uma América multicultural, criando uniões, e um extremista e pouco convencional Trump que cavalga nas divisões que existem, extremando as suas fragilidades e acenando com o retorno do american dream, quase extinto às mãos do gigante chinês que tudo consome e faz para todos, apoiado nos erros de gestão ocidental.
Ambos os candidatos são americanos, neste país nascido à lei da bala e que ainda hoje mantém as armas como prioridade na segurança individual do americano comum. E se Hillary tenta manter as convenções internas e uma cortês diplomacia internacional, Trump acena com segregação, com expulsões dos impuros, com muros e xenofobia. Faz reviver o pior dos ideais do KKK, ainda bem vivo nos estados do sul, alimentando o medo do outro, espicaçando a competição desenfreada em que tudo e todos são alvos a abater se nos importunarem nos nossos caminhos e desejos egocêntricos.
O Halloween revive os medos pagãos celtas que há 2500 anos amedrontavam os espíritos dos vivos pelo renascer dos mortos. Os rituais alegóricos e com imagens da morte pretendiam travar os avanços da negra besta que se levantava dos caixões. O medo é agora também agitado nas bandeiras de Trump, ele próprio um fantoche alegórico que diz lutar contra os papões europeus, russos e chineses, essas ameaças enormes aos superiores interesses dos americanos e dos seus desejos de tudo ter e consumir.
Assim como a inquisição pacificou estes ritos pagãos, transformando-os no culto católico dos finados, esperemos que também a América saiba travar este fantoche perigoso que a todos pode ameaçar, seriamente. Trick or treat? Aguardemos que seja doce! E que a Rússia goste!
Crónica publicada na edição de novembro do Jornal de Cá.