As notícias sobre política andam sempre na ordem do dia e se há vocábulo que nos assola é o deficit e tudo o que o rodeia e sobeja em quase obsessão. É assim que nos vendem a miragem de estarmos em alta no que à economia diz respeito, ao termos um valor desse indicador financeiro a descer ou abaixo dos valores homólogos. Este desiderato, tornado quase heroico nas palavras do governo nunca foi bem explicado mas, em boa verdade, parece que quase ninguém quis saber, até por falta de dados concretos que o sustentassem. Pois bem, a gripe veio dar uma ajuda e ajudou a desmontar a ilusão.
As imagens dos serviços de urgência de alguns hospitais, com corredores atolados de doentes em macas, em condições degradantes, fez soar os alertas de quem andava distraído e trouxe-nos a realidade servida a frio e sem direito a entradas. Pergunta-se então: mas isto acontece apenas porque há uma procura maior devido ao surto de gripe?
Puxemos o filme atrás. O ministério das Finanças estabeleceu uma obsessão com o famoso deficit e como tal abordou as autorizações de gastos com régua e esquadro, gerindo com pinças os prazos e as verbas alocadas a cada um dos ministérios vizinhos que mais consomem recursos, com a saúde à cabeça. Assim tudo foi adiado e estrategicamente conduzido para não fazer disparar esse “bendito” deficit e fazer valer o milagre lusitano que levou Centeno à presidência do Eurogrupo. Mas a fatura está por pagar e as urgências entupidas são apenas o início da cobrança.
Só assim se percebe o porquê de a urgência do hospital de Gaia, face a uma afluência maior e ao caos instalado, ter esperado dez dias para obter a autorização do ministério das Finanças para poder contratar mais pessoal que pudesse dar resposta cabal às necessidades prementes. E dez dias, nestas condições, são intoleráveis. A prioridade dos números uma vez mais se impôs à urgência do serviço público e social.
Esses adiamentos levaram a que remodelações de equipamentos fossem deixadas no esquecimento e que a substituição de edifícios obsoletos fosse atirada para as calendas gregas. Outros ministérios têm queixas, a começar pela educação, onde os professores desautorizados se vão debatendo com a pressão dos números e estatísticas e desesperam com o nível de desinteresse crescente se adolescentes desligados dos modelos do velho mundo, em escolas com imensos problemas estruturais e parcas condições de qualidade global. Mas é a saúde que historicamente mais preocupa a população, já de si envelhecida e carente de cuidados médicos. E, como tal, é aqui que mais sinais de falhas organizacionais se notam. A gripe deu-nos esse despertar ao pôr a nu as debilidades a nível de recursos humanos de um sistema que tem vindo a ser sangrado para o apetecível setor privado. Interessa ao Estado que o privado vá colhendo os que podem pagar os cuidados de saúde, aliviando assim a pressão sobre um sistema público à beira da rotura.
E é esta dança operática com Centeno de batuta na mão que tudo vai orquestrando, a frio, sonegando aqui e aliviando acolá, de modo a não manchar a boa imagem europeia que este ilusionismo que Costa encabeça conseguiu granjear. Sabemos agora a que preço. Os pobres dos doentes em modo espera nos corredores, em condições degradantes, bem podem agradecer ao “Houdini” que chefia o governo. Uma vez mais, fica evidente que a geringonça é a condutora funcional da superior ilusão criada por Costa e Centeno. Venham mais gripes!!
P.S. inócuas para as pessoas e apenas lesivas no ilusionismo.