Eis que 2018 começa com a demonstração de que os corredores do poder invisível estão fortes e atentos a quem os contrarie. O afastamento de Joana Marques Vidal, a procuradora-geral da República (adiante PGR) em funções, vem lembrar-nos que o poder não gosta de ser confrontado e posto em causa, independentemente das razões que vierem a lume nos próximos dias e tentem justificar a decisão, branqueando-a.
Nunca compreendi porque um cargo que lidera o ministério público e a polícia judiciária fosse de nomeação política, no caso do Presidente da República, sob indicação do governo. Levantou desde sempre a dúvida das razões subjacentes a esta fragilidade institucional e que mantém o “chefe da investigação criminal” em sentido, face aos demandos do governo e das suas opções. Por ser assim e perante este afastamento que agora se conhece, as suspeições de politização do cargo crescem e trazem-nos à memória o mandato de Pinto Monteiro que, entre tantas polémicas decisões, ficou indelevelmente marcado e para mim, manchado, pela ordem de destruição das provas em formato áudio no processo contra José Sócrates quando ainda era primeiro-ministro. Nessa altura a imagem do PGR ficou abalada e a confiança desceu a níveis intoleráveis e foram muitos os que o apelidaram de peão do poder. As circunstâncias de ser nomeável tornou-o fraco e permeável às dissidências do poder.
Joana Marques Vidal devolveu ao ministério público a credibilidade antes perdida em processos espúrios e mal conduzidos e que agora vinham a conhecer firmeza e agilidade na missão e celeridade nas investigações. As notícias sobre processos em andamento andaram sempre na ordem do dia e voltámos a acreditar que era possível começar a desmontar as teias da corrupção e abusos de poder. Enganámo-nos, pois quem manda pode e a sua cadeira foi-lhe retirada. O poder que geria sem medo estava a ser demasiado incómodo para muitos dos que, na sombra, sempre colheram da ineficácia das investigações, da lentidão exasperante da justiça e dos arquivamentos mal explicados e abafados por razões “administrativas” e processuais.
E se já antecipamos que este ano seja de preparação lenta do que se segue e trará eleições, muito convém ao governo apear a contestação gerada por uma procuradoria atenta, competente e ativa, reduzindo a crispação e os efeitos nocivos das constantes investigações e suspeições que trazem consigo.
Atentemos à nomeação do senhor que se segue e à sua atuação que, antevejo, seja pacífica e de acordo com os “melhores” interesses do poder. A democracia portuguesa é cada vez mais um balão de ar quente, em esvaziamento progressivo e a cair em parte incerta.
Obrigado Joana Marques Vidal. Pela coragem, pelo sentido do dever cumprido, pela entrega à nobre causa e pelo exemplo de isenção, tão raros neste país de faz de conta.