Por Ricardo Magalhães
Gosto de fazer destas crónicas um espaço de interação entre escritor e leitores. E é de uma sugestão de todos vós, que me acompanham ao longo dos meses, que surge o tema desta crónica: o ensino profissional nas escolas.
“Para burros”, “fácil”, “com menos saídas profissionais”. Cito não uma pessoa em particular, mas o subconsciente de muitos quando refletem sobre este tema. E assim, em poucas palavras, se expressa uma verdade que ninguém escreveu, mas que muitos parecem já ter lido. Em não mais que um espasmo de inaudita irreverência e rebeldia, contactei pessoas que acompanham, há muitos anos, o dia a dia, as pressões e as dificuldades do ensino profissional e mergulhei nos números da Direção-Geral de Estatística da Educação e Ciência (DGEEC) para me elucidar da realidade destes alunos durante e no final do curso, quer estejamos a falar de competências desenvolvidas, empregabilidade ou quocientes de entrada no ensino superior.
Comecemos pelo preconceito associado a esta vertente de ensino. Existem psicólogas a trabalhar nas nossas escolas, com os nossos alunos, para quem “existem alguns cursos profissionais em áreas específicas, mas são mais direcionados para quem quer ingressar no mercado do trabalho após o 12º ano e tu és bom aluno, por isso…”. Acho que em Inglaterra estes mesmos cursos são chamados de “educação vocacional” e talvez a não utilização desse mesmo termo em Portugal leve a esta confusão entre vocação e mérito académico. Não faz sentido dissociar o ensino superior do ensino profissional quando um terço dos seus alunos prosseguiu estudos após a conclusão do secundário ou estuda e trabalha. E este é um número que aumenta consideravelmente para os alunos com os valores mais elevados de média obtida e com o maior grau de escolaridade dos pais.
Segundo os profissionais que contactei, no ensino profissional “os alunos são preparados para o mercado do trabalho e para a vida adulta”. Estes profissionais são pessoas que coordenaram cursos profissionais, foram mentores de projetos dos alunos, coordenadores de estágios; e dizem que a exigência do ensino profissional se “sente na pele” e que as pessoas cometem frequentemente o erro de “julgar a parte pelo todo”. E apontam aquele que, também a meu ver, é o maior entrave que qualquer aluno do ensino profissional enfrenta na corrida da entrada no ensino superior: os exames nacionais.
Enquanto antigo aluno dos cursos científico-humanísticos, reconheço a conveniência de utilizar os exames nacionais como provas de admissão na faculdade. No entanto, convém notar que uma grande parte desse meu ensino foi direcionado para a preparação desses exames, ao contrário do que acontece com um aluno do ensino profissional que tem que estudar toda a matéria por si próprio para além da teoria das disciplinas do seu próprio curso e trabalho em projetos e estágios profissionais. É claro que nada disto é assim tão linear e que, lembro-me, também eu tinha um número grande de relatórios e trabalhos anuais para entregar. Mas é notório que está aqui criado um grande entrave ao prosseguimento de estudos dos alunos dos cursos profissionais e que a causa desse entrave não tem nada a ver com os cursos em si. Já em 2016, Manuel Heitor, na altura ministro da Ciência e Ensino Superior, assumia que o Governo estava a “estudar formas de evoluir no regime geral de acesso ao ensino superior”, mas que o mesmo “tem 40 anos, é um sistema respeitado e credível” e “nunca o alteraremos sem um grande consenso”.
Haveria muitos mais números sobre os quais falar, posso até deixar o link do relatório da DGEEC se me pedirem, mas não queria fechar esta crónica sem antes fazer esta reflexão. A oferta de um ensino livre e gratuito é, acreditem ou não, a ferramenta mais fortalecedora e potencializadora que a democracia nos deu em Portugal. Não é por acaso que os filhos de pais com maiores graus de instrução dão maior preferência ao prosseguimento de estudos. É, também, a maior ferramenta de coesão social que alguma vez existiu e que tem tudo para acabar com a, em toda a história dominante, hierarquização social imposta pela fortuna do berço. Valorizar o ensino aproxima-nos de uma sociedade em que o valor de um homem e de uma mulher se mede pelo seu saber e sagacidade, assim como pelos seus ideais e valores. O conhecimento e a racionalidade conferem-nos poder na afirmação da nossa liberdade e, idealmente, potenciam a compreensão da grande responsabilidade que dele advém.
Posto isto, todos devemos ter a oportunidade de seguir a via do ensino superior, mesmo que nem todos tenhamos que o fazer. Sou a favor de um ensino profissional de qualidade, desafiante e que dê oportunidade aos jovens de seguirem a sua orientação vocacional, deixando-os de portas abertas para o próximo passo a seguir. Sinto que deveria haver uma maior aposta na diversificação destes cursos e na qualidade e inovação dos seus conteúdos. Vejo espaço para uma muito melhor oferta, por exemplo nas áreas das novas tecnologias, do desporto ou das artes. Para além disso, e ainda mais grave, há um desconhecimento generalizado da oferta que já existe e daquilo que tem para dar. Governo, escolas e sociedade, existe uma grande volta a dar na educação e todos nós temos um contributo a fazer.
Espero que tenham gostado. Aguardo uma vez mais os vossos comentários, ideias e contributos. Vemo-nos na próxima crónica!