O rei vai nu

Por João Fróis

A velha fábula do rei que por soberba acreditou estar vestido quando na verdade estava nu, assenta que nem uma luva no enorme problema social que é a habitação em Portugal. Antes de olharmos às razões que levaram o governo a tomar medidas, polémicas, sobre o uso das habitações, cabe puxar o filme atrás e perceber como está o parque habitacional no país.

E percebemos um claro declínio no número de fogos novos para habitação familiar, nos últimos 20 anos. Se na década de 90 do séc. XX eram criados em média 70 mil fogos anuais, entre 1999 e 2002 assistiu-se a um crescimento forte acima dos cem mil fogos novos, chegando a um máximo de 125700 no último ano deste quadriénio. A partir daí a queda foi acentuada com 26360 novos fogos em 2011 e apenas entre 7 e 8 mil nos anos 2014 a 2017. Depois houve alguma recuperação tendo sido criados 19080 novos fogos em 2021. Paralelamente assistimos a um aumento enorme no preço das casas entre 2010 e 2022, na ordem dos 80%, com as rendas a subirem em média 28%, mais 10 pontos percentuais que a média da zona Euro.

A conjuntura mostrava sinais claros de dificuldades no acesso a habitações novas, a créditos hipotecários e ao crescimento da especulação imobiliária, percebendo-se a tendência de ver na habitação o negócio promissor para superar as crises financeira e económica. Os vistos Gold inflacionaram o mercado e o preço do metro quadrado nos principais centros urbanos disparou. Foi assim que chegámos a preços absurdos face à média das remunerações em Portugal e que levaram a excessos na atribuição de créditos bancários com taxas de esforço bem acima dos avisados 35% do rendimento. Com a recente instabilidade que a guerra trouxe e que motivou o regresso da inflação em força, as taxas Euribor subiram a níveis há muito desaparecidos, atirando milhares para o estrangulamento das já frágeis economias caseiras.

Face a este caos o governo anunciou medidas polémicas que pretendem tornar habitáveis supostas casas devolutas por não ocupação permanente. Sendo dificilmente constitucionais, estas medidas draconianas revelam algum desnorte na interpretação dos reais problemas de um mercado que foi deixado em roda livre e ao sabor da especulação, tornando praticamente impossível arrendar apartamentos de tipologia T2 e T3, nas zonas urbanas, abaixo dos 700 a 1000 euros. Isto num país onde a remuneração média dos trabalhadores por conta de outrem situa-se nos 19300 euros brutos anuais, subsídios incluídos.

Na europa há 16 países, 13 dos quais na zona euro, que têm políticas de controlo das rendas, alguns há décadas, outros apenas recentemente. Caberá aprender com a experiência dos parceiros antes de apresentar medidas de cariz soviético que atentam claramente com o direito da propriedade. Que impere o bom senso e se ponha a habitação no lugar certo, a morada de família com dignidade e justiça social e económica.

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