Opinião de João Fróis
Apesar da instabilidade climática, o calor de fins de Julho trouxe os inevitáveis (?) incêndios a Portugal continental. Mação, Sertã e Vila de Rei foram os focos principais da tormenta escaldante e onde os desmandos da República aqueceram ainda mais o panorama político, com uma troca de palavras tão escusada como incompreensível, entre o ministro da administração interna e o edil de Mação.
Cores políticas à parte, esta querela mostra a nu as fragilidades da construção democrática. Governo e autarquias são partes do Estado e não se compreende e muito menos pode aceitar que se arremessem desafios e provocações na praça pública entre agentes públicos e que nos devem representar. Pelos vistos estão mais entretidos a representar papéis e/ou personagens mas para tal escolham outros palcos e dispam as fardas de servidores da causa pública. Se fosse o Rei o mandante, em terras que ainda ostentam o seu nome, cabeças iriam rolar mas nesta República de quintas e quintais nada se passa, a poeira assenta e tudo continua igual.
Tal como a floresta. Volvidos dois anos desde as calamidades de Junho e Outubro de 2017 não se descortinam ações relevantes e transformadoras na gestão e organização da floresta. Não se evoluiu na identificação dos proprietários, continuam a discutir-se soluções para as terras abandonadas. E, nestes dois anos, os assuntos que foram capa de jornais, recaíram na corrupção dos dinheiros atribuídos para a reconstrução das casas ardidas e na ressaca da falência do Siresp, agora absorvido pelo Estado.
Continuam as querelas com a profissionalização dos bombeiros e a articulação com a proteção civil mas uma vez mais, o foco está apenas em medidas paliativas para aplicar nas emergências. Gastam-se milhões em meios para apagar mas o que precisamos são propriedades limpas, ordenadas, cadastradas e com pontos de água e acesso e uma redistribuição equilibrada das espécies. Sejam as autarquias ou o governo central, urge agir face às incontornáveis alterações climáticas que vão agudizar sem apelo nem agravo, os riscos enormes que todos corremos neste caos florestal.
Muito se fala do interior e do esquecimento a que é votado. Atentemos a alguns números. O município de Vila de Rei tem 3300 habitantes. Mação tem 6300. E a Sertã 14700. Densidades populacionais de 17, 16 e 33 habitantes por km2, respetivamente. Deixando Lisboa e Porto, 507 mil e 215 mil habitantes, olhemos para Sintra, 388 mil, V.N. Gaia com 300 mil, Cascais, 212 mil, Loures, 211 mil, Braga e Amadora com 182 mil, Oeiras e Matosinhos com cerca de 175 mil habitantes. Densidades populacionais entre 5 e 8 mil hab/km2.
A disparidade é tremenda e percebe-se que de um lado temos as pessoas e do outro os campos e as florestas. El Rei D. Dinis foi povoador e grande impulsionador da floresta e agricultura. Pelos vistos ainda temos muito a aprender com essa visão e experiência. Ostensivamente deixamos os montes e árvores entregues à sua sorte e todos os que lá vivem aos riscos do esquecimento. Esta República vai ardendo em lume brando e queimando os sonhos e vidas de um povo ainda crente.
*Artigo publicado na edição de agosto do Jornal de Cá.