O Panamá é um país conhecido pelo canal artificial inaugurado há pouco mais de cem anos e que liga os oceanos atlântico e pacífico, sem dúvida uma obra de engenharia de vulto, quer em dimensão, pelos quase 80 quilómetros de extensão, quer pelas verbas gastas na sua construção. Ironicamente, são novamente montantes absurdos de dinheiro que voltam a pôr o Panamá no centro das notícias deste mundo envolto em polémicas e escândalos financeiros.
Os nossos antepassados, com a experiência secular, trouxeram até nós adágios e pregões que tantas vezes ilustram e traduzem certeiramente a realidade factual que se nos depara. O velho ditado “anda meio mundo a enganar outro meio” sempre correu fundo nas conversas de rua e café, resumindo a inevitabilidade assentida de que este mundo se vai fazendo de fortes e fracos e dos esquemas de uns sobre os demais para singrar e obter a tão almejada riqueza e poder. Os papéis do Panamá trazem a lume velhas suspeições e demonstram o que já se sabia há muito, que nos meandros do poder político e financeiro, se conjuram esquemas de fuga ao que o comum dos mortais é obrigatório e incontornável, o pagamento de impostos e taxas sobre capital.
Levantam-se aqui imensas questões que dariam para um tratado mas há, desde logo, algo que cumpre entender. Estas investigações jornalísticas são em primeira mão muito virtuosas mas pecam por ilibar os visados, uma vez que ao serem ilegais pela forma como foram obtidas, tornam estas provas irrelevantes em termos jurídicos.
Para mais, nem todos os que recorrem aos famosos off-shores são criminosos. É legal aplicar capitais nestes fundos de modo a agilizar investimentos que nos países de origem são morosos ou muito difíceis de concretizar. Naturalmente nestas sedes com pouco ou nenhum controlo existe de tudo e o que avilta é a lavagem de dinheiro sujo com armamento, tráficos de droga, metais preciosos e pessoas!!
Olhemos “apenas” para os prevaricadores. São muitos e de todos os pontos do globo. Movimentam milhões entre contas, não pagando taxas e ocultando origens e destinos censuráveis e ilegais, obtendo assim ganhos vultuosos, sem riscos e com garantias elevadas de sucesso e anonimato. Quebrou-se agora esta “regra”?
As dúvidas instalam-se. O banco central alemão exige que os países criem listas negras dos movimentos de capitais de empresas fictícias. Mas não são as regras maquiavélicas impostas por esta e outras entidades que estão a levar a estas fugas massivas de capitais? Não se pode querer impor uma ditadura financeira a empresas e estados e depois exigir que os mesmos não prevariquem na iminência da ruptura que essas mesmas provocam!
Existe uma hipocrisia velada no capitalismo que se contenta com os silêncios ensurdecedores que ressoam dos off-shores, engordando no laissez-faire, laissez-passer, para vir depois a terreiro carpir mágoas de virgens ofendidas quando o rumo dos acontecimentos demonstra a culpa grosseira dos que devendo intervir, proactivamente, o não fazem, reagindo apenas quando o fogo já lavra e ameaça consumir o edifício onde confortavelmente estão instalados.
Muito se pode dizer, argumentar, esgrimir, com mais ou menos veemência, mas uma coisa é certa, somos todos nós, contribuintes de todos os estados, que vamos aguentando estes desvarios e pagando as facturas que sempre são apresentadas a pagamento. Não fugimos e se falhamos nas nossas pequenas obrigações somos tratados como criminosos, executados nos parcos bens, destituídos de confiança e honra. Do outro lado da barricada, os senhores do capital movem-se em águas calmas, protegidas pelos superiores interesses que seguram as tormentas do lado de fora e sobrevivem a eventuais polémicas nas sombras do medo que se agiganta e trata de calar novas vagas de inquisitórias revelações públicas.
Somos todos nós que votamos em políticos, os mesmos que fazem as leis que ajudam a que os poderosos os apoiem e se apoiem nas suas contrapartidas, os derradeiros culpados. Entretanto os bancos, que são privados, vão falindo e são os estados, ou seja, todos nós contribuintes, a pagar a factura. Os esforços para salvarem as instituições bancárias são enormes, as movimentações sucedem-se a um ritmo inversamente proporcional ao da fuga à culpa pelo desmoronamento do que outrora, era sólido e imprescindível. A hipocrisia cresce e as contas panamianas engordam! Os escândalos sucedem-se, mas tal como se assiste a uma quase banalização dos atentados terroristas que vão grassando neste mundo, também estas pretensas polémicas irão esfriar e em pouco tempo tudo irá voltar a uma paz podre, de aparente tranquilidade, em que a crise irá ser “vendida” nos jornais diários amedrontando os “abençoados consumidores”, que mais não podendo fazer, consomem desenfreadamente tudo e todos, numa voraz indiferença para com o vizinho do lado…
Enquanto aceitarmos que nos dividam e amedrontem, virando-nos uns contra os outros, seremos fracos e presas fáceis desta teia poderosa, urdida com a nossa complacência egoísta e desinteressada.