No primeiro quartel do século XXI, era suposto que as conquistas civilizacionais já tivessem possibilitado um mundo melhor e sobretudo mais humano. No entanto, ao lermos agora a “revista CAIS” somos confrontados com um “murro no estômago”: segundo a OIT, o trabalho infantil afeta cerca de 168 milhões de crianças em todo o mundo, das quais 20 milhões têm entre os 5 e 14 anos e cerca de 5 milhões vivem em condições de escravidão.
Para muitas crianças, a idade da inocência e dos brinquedos é substituída pelo manuseamento de armas de fogo ou, pelo trabalho mais duro e horroroso, em oficinas e lixeiras nauseabundas. Mas não se suponha que estas crianças trabalham apenas para ajudarem as suas famílias. Em países subdesenvolvidos, como a Índia, Paquistão, Bangladesh e outros, estas crianças são usadas por organizações mafiosas no enriquecimento de grandes indústrias – geralmente de “marcas” conectadas com grandes multinacionais, que muitas vezes alimentam o nosso ego (!) em trabalhos demasiado exigentes, sem horários, cansativos, sujos, perigosos, sem quaisquer condições de segurança e de higiene.
Sabemos que a génese desta situação tem sido agravada por um capitalismo desregulado (como se alguma vez fosse possível regulá-lo!), que tem imposto o “Deus competitividade” a qualquer preço, e o mito da deslocação empresarial, incentivado pelos economistas liberais, tendo agravado, deste modo, a globalização e a exploração das populações mais carenciadas e indefesas, em condições sub humanas inimagináveis!
Em Portugal, apesar dos grandes progressos já alcançados, eventuais casos de trabalho infantil parecem ser muito residuais e localizáveis, pelo menos segundo os registos oficiais. No entanto, a dúvida assalta-nos e não nos deixa tranquilos. É que segundo, Rui Pereira na qualidade de Presidente do Observatório da Criança “… quando dizemos que não existem crimes relacionados com o trabalho infantil em Portugal, a única coisa que estamos a dizer é que ainda não possuímos a capacidade e os meios necessários para os investigar”.
Convenhamos, que estas declarações não nos deixam sossegados e mal será de um povo e de um país que ainda pactua com estas situações, e tolera que o seu crescimento económico possa ser feito à custa do “vale tudo” e muito menos da exploração de crianças indefesas.
Artigo publicado na edição de fevereiro do Jornal de Cá.