Não se pode voltar ao passado porque o passado já não existe. O lugar existe mas o passado não.
Rui Lages
Na foto em destaque: Luís Filipe Coelho e António Franco, os fundadores da Horta da Fonte
Passagem do ano 1978/79
Dois jovens tiveram a ideia de, numa casa centenária no centro histórico do Cartaxo, abrir uma discoteca, a qual, ultrapassando as dificuldades e com a ajuda dos amigos, foi crescendo.
Às sextas, sábados e vésperas de feriados, as portas abriam-se das dez da noite até as quatro da madrugada. Aos domingos, matiné, das quatro às sete, para a gente mais jovem que, na altura, não saía à noite.
A tecnologia, à época, era muito reduzida. As aparelhagens e aparatos de luzes eram praticamente artesanais, ao ponto da iluminação do jardim ter sido contruída com latas de tomate da Sugal.
As coisas foram evoluindo até que nos vimos obrigados a importar música porque, nesses tempos, a que passava nos Estados Unidos e na Inglaterra só chegava a Portugal passados, no mínimo, seis meses. Os nossos amigos que viajavam para essas capitais faziam o favor de nos trazerem os vinis.
Mais tarde, com a assinatura da revista Billbord, fomos acompanhando os êxitos que na altura se dançavam nas discotecas das grandes capitais. Com a contratação do DJ Fernandinho e com o amor à música que sempre demonstrou, fomos criando uma grande empatia com as populações das redondezas.
A política foi sempre a de dificultar a entrada. No início apenas a casais e, mais tarde, fomos aligeirando.
A fama da HORTA começou a chegar a Lisboa, o que fez com que o ambiente se tornasse um pouco cosmopolita. As obras foram aparecendo, pois o espaço inicial era pequeno e o jardim, aos poucos, foi sendo ocupado, mas sempre com dedo de arquiteto, o que não se pode dizer que fosse uma prática generalizada, mesmo para quem ditava as regras.
Tanto artistas nacionais como internacionais fizeram questão de passar pela HORTA, o que nos levou a expandir para o Algarve, onde abrimos a HORTA 2 entre Lagos e Portimão. Muitas estórias se poderiam contar… Foram anos muito belos nestas nossas vidas.
Gente bonita muito ligada aos mundos empresarial, das artes, do futebol, até à política. Foram muitos os que fizeram da HORTA 2 provavelmente o melhor ponto de encontro do sul do País.
Após a divisão das empresas HORTA e HORTA 2 devido a dificuldades de comunicação entre os sócios, uma nova etapa surge, com a «Dona Horta Coice da Mula», obra do arquiteto Pinto Coelho, talvez, na altura, aquele que melhor currículo apresentava na montagem de bares por toda a Europa.
15 de fevereiro de 1985
DONA HORTA COICE DA MULA terá sido, talvez, o melhor bar durante anos, no Ribatejo. Música ao vivo, passagens de modelos, exposições de pintura ou as noites temáticas, transformaram o Cartaxo, à época, com quatro discotecas e cerca de uma dúzia de bares, na grande «Las Vegas do Ribatejo». Posteriormente, no primeiro andar, inaugurou-se o restaurante, feito por José Figueiredo. Um espaço dentro de outro espaço, com outro requinte e com uma certa diferenciação na gastronomia da região.
15 de dezembro de 2000
Foi a partir desta data, com a mudança do século e com a reviravolta da moeda única, que o panorama da noite se foi modificando. A par da nossa necessidade de reestruturação do espaço, uma inequívoca «campanha» policial começou a acabar com a noite do Cartaxo, com uma pressão constante sobre as casas de diversão noturna. Intenção deliberada de as fechar? Foi o que acabou por acontecer.
28 de outubro de 2005
A decisão foi a de fazer obras na HORTA e a de abandonar o COICE DA MULA. Foi feito um elevadíssimo investimento na HORTA, que incluía casas de banho para funcionários, inclusive com banheira, casas de banho para deficientes, projeto de incêndio com todas as portas a abrirem automaticamente, seis mangueiras de 25 metros, 25 extintores e 100 detetores de incêndio todos ligados à central, quadros elétricos com desenfumagem, etc.. Tudo conforme a obrigatoriedade da Lei. Ficou reconhecido o papel que a HORTA e o COICE tinham na região com o aval do executivo camarário de então, representado pelo seu presidente, Dr. Paulo Caldas.
No entanto, a crise global começara já a galgar a passos largos. As festas populares das aldeias e das cidades começaram a fazer concorrência às Discos com tendas de DJ’s, as quais, devido ao preço das bebidas e ao ajuntamento de milhares de pessoas, faziam destes eventos autênticos festivais.
Tarefa impossível, essa, a de fazer face a uma concorrência sem encargos elevadíssimos com despesas fixas ou sujeita a fiscalizações rigorosíssimas. Por outro lado, houve necessidade, por parte dos grandes artistas nacionais e internacionais e das grandes bandas, de virem para a estrada. A venda de CD’s havia caído a pique devido à internet. Nunca foram tantos os festivais em Portugal, atraindo milhares de pessoas e para todos os gostos musicais. Sentimos novamente a necessidade de investir na HORTA. Quedas progressivas de receitas, aumento de encargos, pressão sistemática das autoridades… Com duas portas de entrada e uma única de saída não tínhamos hipóteses de persistir mais tempo. Com a insistência da senhoria em aumentar as nossas rendas e com obras a necessitarem de ser feitas, estando em risco a integridade das pessoas e dos bens, decidimos, pois, encerrar a atividade de 39 anos.
Só temos a agradecer aos milhares de pessoas que passaram por cá, aos artistas e aos DJ’s e ao staff que colaborou ao longo destes anos.
O último copo, o último som, o último beijo, o último abraço, o último olhar, o último suspiro, o último brinde, o último cigarro, o último cartão, o último namoro, o último gin, o último cubo de gelo, o último staff, o último flirt, o último aniversário, o último grito… O último dia de uma história com 39 anos.