Os animais de companhia refletem muito de quem somos enquanto cidadãos. O mais recente ataque de um cão a uma criança, no norte do País, é tão só apenas mais um dos infelizes episódios que o demonstram.
Defendo o direito a ter um animal de companhia. Mas defendo igualmente os direitos desse animal e de todos os que com ele vão conviver e ter contacto. E nesta dinâmica plural muito há a dizer. Vamos por partes.
A lei tipifica os direitos e deveres inerentes à posse de um animal de companhia. Mas, como bem sabemos, a sua aplicação e cumprimento estão muito longe do ideal subjacente à criação dessas normas legais. Basta olhar para os nossos jardins e passeios públicos e fica aos olhos de todos o respeito que essas mesmas leis merecem pela maioria dos que têm animais a seu cuidado. Os dejetos animais espalhados em tudo o que é lugar público são, infelizmente, uma péssima imagem da sociedade que somos. São uma total falta de respeito pelo outro que connosco partilha os espaços comuns e demonstra que para muitos, usufruir do melhor dos mesmos é um direito alienável mas cuidar deles e da saúde pública já não tanto. Esta dialética entre direitos e deveres é aliás um dos grandes atrasos da cidadania em Portugal. Somos céleres a criticar as falhas coletivas, mas pouco lestos a assumir as próprias. Corremos a pedir mais e melhor infraestruturas, mas somos os primeiros a não as conservar e proteger. Opinamos e julgamos mas, quase nunca, ao espelho!
Voltemos ao violento ataque que pôs a vida de uma criança em risco. E que pode comprometer irremediavelmente a sua fácies. A verdade é que o Mastim, raça com um potencial de risco identificado pela sua agressividade natural, estava solto, sem trela que o segurasse. O risco de haver um acidente tornou-se enorme e, infelizmente, deu-se um ataque. Rapidamente se olha para o animal como se fosse uma besta infernal com o propósito único de atacar e causar o mal. Mas a “besta” a acusar é o seu dono e, no caso, a sua conduta imprópria e que não seguiu os ditames da lei, que seriam o uso da trela e eventualmente de um açaime. A culpa é humana e é essa que deve ser aferida e julgada no caso concreto. O animal reflete o seu dono e os comportamentos deste. A ciência já estudou diversos casos e sabe-se que um dono violento e que maltrata ou abusa de um animal vai, potencialmente, gerar um animal igualmente violento e com os seus instintos extremados. Assim como quem trata bem e acarinha o seu animal de companhia gera comportamentos dóceis e seguros. O efeito espelho é real.
O que não deveria acontecer é irmos passear a um jardim ou parque urbano e termos de caminhar de olhos postos no chão para não nos confrontarmos com a desagradável situação de pisar dejetos de animal, ali deixados impunemente e não apanhados, como deveria ser, pelos donos desses animais. Assim como irmos com os nossos filhos de tenra idade brincar na relva e sermos coagidos por um animal violento que foi deixado solto e nos leva a ter de abdicar da livre fruição do espaço. O problema não é dos animais, é, sim, de cidadania e respeito pelos direitos e deveres inerentes à partilha de espaços comuns. No Japão a limpeza dos espaços públicos é feita, desde tenra idade por todos os cidadãos, em consciência e respeito pela qualidade ambiental e do bem-estar de todos. É cultural e está enraizado há muito. Por cá não vou a tanto mas há que fazer algo para inverter este estado quase selvagem de uso dos espaços públicos. E não sendo possível fazê-lo pela educação e exemplo, que se puna de modo célere, efetivo e pesado os maus comportamentos que atentem contra o que a lei quer proteger. E nesses comportamentos cabe o abandono dos animais, a que infelizmente se assiste quando chegam as férias e para alguns o animal se torna um fardo e não merece participar nas mesmas ou ter direito igualmente a umas férias em espaços que já existem para o efeito.
Urge atuar e “domesticar” os animais racionais que se arrogam direitos sobre os ditos irracionais mas que se portam, consecutiva e danosamente, muito pior que estes!