Papistas racistas

Por Ricardo Magalhães

Em português existe a expressão “ser mais papista que o papa”, que basicamente explana de forma informal que alguém está a ser excessivamente rigoroso na sua interpretação de determinadas regras, comportamentos ou ideologias. Um exemplo de uma aplicação desta expressão pode ser dado referindo-nos a alguns grupos de pessoas anti-racistas que hoje em dia vemos por aí. Pessoas que são tão, mas tão anti-racistas, que escorregam ignorantemente na mais primária discriminação racial.

Em debates sobre os extremismos políticos (de esquerda e de direita), é comum ouvirmos que, por vezes, os extremos são tão extremos que chegam mesmo a tocar-se. Trata-se de uma perspetiva interessante que pretende realçar as surpreendentes semelhanças entre os regimes totalitários de esquerda e de direita. Fenómeno semelhante acontece com algumas pessoas que se têm e apresentam ao mundo como anti-racistas.

Em Portugal tivemos um exemplo recente, quando a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira apresentou no parlamento uma proposta com vista a que todo o património das ex-colónias, presente em território português, pudesse ser restituído aos países de origem de forma a “descolonizar” os museus e monumentos estatais. A ideia por detrás desta missiva é a de que muitas destas peças foram obtidas sem o consentimento dos países de origem e que por isso a sua posse pode ser tida como eticamente reprovável.

Numa visita rápida ao museu mais famoso do mundo, o Louvre em Paris, podemos encontrar peças lusitanas raríssimas de valor quase inestimável que foram roubadas aquando das invasões francesas. E isso é reprovável? Não, é fantástico! É fantástico porque aquilo que estas pessoas não compreendem é que a cultura existe para ser partilhada, difundida pelo mundo para que outros possam disfrutar e aprender com ela. É também com esta partilha cultural que se promove o contacto, o respeito e a tolerância entre povos que vivem tão distantes uns dos outros.

A origem desses objetos pode ter sido ilícita, mas encontra-se perdida nalgum instante longínquo do passado, em que a civilização era muito menos civilizada e tais atos muito mais naturais. Este raciocínio de devolução do património reduzido ao absurdo levaria a que Portugal devolve-se o seu território aos árabes a que barbaramente o conquistou. Seguidamente, os muçulmanos teriam a obrigação moral de o devolver aos romanos e estes aos visigodos.

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Mais do que estar a querer pôr pensos nas feridas do passado, a maioria das quais já sararam com o tempo, foquemo-nos em construir um futuro de comunhão e compaixão além-fronteiras. Um futuro em que a irmandade e fraternidade entre povos se sobreponha ao nacionalismo. Isso sim, seria verdadeiramente anti-racista e humanista.

Termino com um exemplo internacional deste excesso de zelo na aplicação de uma luta tão importante e valorosa como é a luta contra o racismo. Na internet é comum ouvir-se falar do conceito de apropriação cultural. Refiro-me não à vertente mais científica do termo, mas a uma ideia polémica que se tem tornado popular entre alguns jovens nos Estados Unidos. Trata-se da ideia segundo a qual uma pessoa branca não pode usar rastas porque estará nesse caso a apropriar-se de algo que não pertence à sua cultura. Ou de que uma mulher a fazer quimioterapia não pode usar um turbante em vez de um lenço para esconder a queda de cabelo.

Isto nada mais é do que discriminação racial, querer proibir pessoas de fazer algo única e exclusivamente pelo tom de pele com que nasceram. Só por isso é já tão lastimável como qualquer outro caso de racismo, que como aqui se vê não tem cor. Mas trata-se também uma vez mais de ignorância (ao quadrado!).

Em primeiro lugar, parece que a utilização de rastas no cabelo remonta ao século XIX quando trabalhadores da China e da Índia começaram a chegar ao Ocidente para substituir os (finalmente ilegais) escravos a troco de míseros salários. Tratavam-se de homens hindus que procuravam replicar os cabelos da deusa Shiva. Diz-se também haver registos de rastas na Grécia antiga e no antigo Egipto. Portanto, nem sequer é claro qual a raça originária deste penteado.

Em segundo lugar, e no meu ponto de vista, se uma pessoa branca usa rastas está a mostrar respeito e apreço pela cultura de que se “apropria”. Logo, não há nada de reprovável nisso. Bem pelo contrário! É bonito que haja este espírito de partilha cultural, tal como o é nos campos da ciência e desporto.

Costumo dizer que fomos nós que criámos todas as fronteiras que existem no mundo. Mas isto não é unicamente válido para países e nacionalidades. Os rótulos que criamos (sejam eles raças, géneros, culturas, etc.) são também eles fronteiras, divisões, que queremos na sociedade do futuro derrubar.

Nunca me irão ver como ativista da fação do ódio, do egocentrismo e da divisão. Prefiro viver do amor, da partilha e da união.

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