Perfil – Luísa Pato

"Sinto-me realizada com o que fiz na vida, mas ainda tenho muita coisa para fazer. Obrigo-me a parar de pensar para poder ter sossego"

Eu Sou
Uma mulher alegre, lutadora, irrequieta. Costumo dizer que sou uma mulher de causas. Adoro causas e quando acredito numa causa vou até ao fim. Sou benfiquista e aficionada.

56 anos. Provedora da Santa Casa da Misericórdia do Cartaxo, mãe do Pedro, do José Nuno e do João Ricardo. Vive no Cartaxo.

A primeira coisa que nos conta sobre si própria é que quando nasceu foi atirada para uma gaveta, e ri, com o mesmo riso sincero que irá atravessar toda a nossa conversa com Luísa Pato, Provedora da Santa Casa da Misericórdia do Cartaxo. “Nasci gordíssima e a minha mãe passou um mau bocado, a parteira teve de me largar para lhe ir acudir. É por isso que digo que fui logo atirada para uma gaveta”. A história passou-se no Cartaxo, onde nasceu e viveu toda a vida. Da infância não guarda muitas memórias. Lembra-se de brincar na rua e de perder os laços das tranças. E recorda a sua relação com o pai, uma ligação muito forte. “Acompanhava-o muito. O meu pai levava-me nas visitas que fazia às obras, ao domingo, andava comigo para todo o lado”. Do pai diz que herdou o temperamento dinâmico e combativo. Também dos tempos de escola se recorda que já era contestatária e frontal. “O meu pai dizia que a frontalidade se for bem utilizada é uma qualidade, se for mal é um defeito. Nunca deixo de dizer aquilo que penso. A frontalidade está associada a grande sinceridade. Há tempos disseram-me que eu era transparente. Sou demasiado transparente e acho que é uma característica boa em mim”.

Eu Gosto
Muito de fado, não entendo que o fado tenha de ser fatalista ou seja de alguma forma um retrato de um povo fatalista. Das tradições portuguesas. Do ribatejo e de tudo o que ele representa. Da tão emblemática e tão pouco aproveitada figura do campino que representa tanta coisa, representa o bom, a elite, a dedicação e até mesmo o sacrifício, consegue até representar a alegria do povo português. De folclore e de viajar.

Eu Quero
Paz, acho que a paz nos traz o resto. Claro que quero saúde mas tudo o resto cabe dentro da paz. Se a tivermos somos felizes e somos capazes de apreciar a felicidade dos outros. Se estivermos em paz podemos fazer os outros felizes, muitas vezes basta um sorriso. Estar em paz é ser feliz.

Começa a desfiar memórias quando fala do tempo do Liceu em Santarém. “Foi aí que percebi que havia outras coisas além de estudar. Descobri a Bijou, fiz novas amizades. Nunca fui grande estudante. Tinha capacidade de memorização e dava para passar”. A ida para Lisboa, para o Técnico é marcada pelos tempos revolucionários que se viviam e que levaram ao encerramento da escola. É nessa época que nasce o gosto pelas touradas que a mantém aficionada até hoje. Quando o pai lhe diz que ou acaba o curso ou volta ao Cartaxo, Luísa decide que, como já tinha um namoro sério, era altura de casar. As cadeiras que lhe ficam a faltar são tiradas anos mais tarde já com os dois filhos mais velhos nascidos. Do casamento, que durou 27 anos, nasce ainda um terceiro filho.

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O passar dos anos não a preocupa. Luísa Pato sente-se bem com a idade apesar de confessar não estar completamente realizada “Uma mulher irrequieta nunca é uma pessoa realizada. Sou muito irrequieta, tenho sempre insatisfações. O meu pensamento é muito irrequieto. Sinto-me realizada com o que fiz na vida, mas ainda tenho muita coisa para fazer. Obrigo-me a parar de pensar para poder ter sossego”.

Eu Não Gosto
De hipocrisia. De falta de honestidade, são coisas que me tiram do sério. De ver injustiças. De tristezas. Embora façam parte da vida, temos de as superar e contornar.

Eu Não Sou
Invejosa, nem fatalista e acho que também não sou egoísta.

Nos anos que se seguem Luísa Pato vai tomando conta dos negócios de família à medida que o pai se vai afastando. É também através do pai que se começa a interessar pelas Misericórdias. “Quando ele resolveu afastar-se eu substitui-o. Fui vice provedora e, depois, por resignação do senhor Provedor assumi o lugar. Por eleição este é o meu primeiro mandato”. Em 1985, a convite de António Leal faz parte das listas do PSD à Junta de Freguesia do Cartaxo e é eleita para a Mesa da Assembleia. É um caminho que nunca mais deixou de traçar pois a política está-lhe no sangue. Foi vereadora e é atualmente membro da Assembleia Municipal. Hoje sente-se desiludida com a situação do Cartaxo. E continua a ser o que ela própria chama “uma mulher de guerra”. “Sou, e sou crítica mas só digo a verdade. Há uma desilusão mas atrevo-me a dizer que o Cartaxo está como está porque os cartaxeiros querem. Esta é uma frase politicamente incorreta mas é a verdade como eu a entendo”. Por tudo isto diz-se em situação de pré-reforma da política.

Eu Não Quero
Que as pessoas tenham de lutar por coisas a que tenham direito naturalmente. Há coisas a que as pessoas ganham o direito desde que nasceram. Que a música e a arte acabem porque são o que nos diferencia dos animais. Todos precisamos muito da arte, nas suas diversas formas.

Texto publicado na Revista DADA nº54 em fevereiro de 2015

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