Eu Sou
Gémeos, quer dizer que sou dual. Sou capaz de ser ao mesmo tempo tímida e reservada e expansiva e ousada
Foi professora, vereadora, diretora da biblioteca municipal, deputada. Muito antes, em 1967, casou e veio viver para o Cartaxo.
Maria José e o marido, Renato Campos, eram dois jovens que sentiram profundamente a falta de atividade que a sociedade da época vivia. Com o 25 de Abril, Maria José acompanha o marido nas primeiras eleições autárquicas em democracia, onde ele é eleito presidente. Seguem-se 18 anos de ligação à Câmara e de trabalho intenso que deixou uma marca muito personalizada na cidade.
“De ler, de música, de pintura, de viajar, de estar informada do que se passa no país e no mundo. Da praia, de cozinhar, gosto imenso de caril, de espaços amplos e das pessoas, gosto dos outros, preocupo-me com o bem-estar dos outros”. Maria José Campos
Os primeiros tempos foram de grande emoção. “Sou uma mulher de Abril. Recordo sempre o primeiro 1º de Maio. É um dia de uma vida. Está a ver uma jovenzinha que tira um curso de economia e que de repente tem a matéria-prima na mão. Uma revolução que se faz, um país que se muda. De repente estamos no centro das decisões e da mudança. Servir o Cartaxo nesse período foi um privilégio. E o poder local foi, digam o que disserem, o grande obreiro da democracia”.
“Ter saúde e que a nossa família seja feliz. Que este mundo reconsidere o seu apelo e que tenhamos um mundo melhor. Não sei quando nem como mas, pelo menos, que caminhemos para um mundo mais fraterno, mais solidário, mais humano”. Maria José Campos
Foi assim que se estenderam redes de saneamento básico, eletricidade e equipamentos por todo o concelho. “O Cartaxo era uma vila simpática mas não tinha qualidade para dar uma vida decente às pessoas. E foi extraordinário trabalhar em conjunto com as populações. Hoje as dinâmicas mudaram, talvez porque o protagonismo do poder local está diferente, distanciou-se muito das pessoas. Para nós só foi possível fazer certas obras com o empenhamento desinteressadíssimo das populações e dos funcionários da Câmara”.
De todas as obras que têm a sua marca na cidade, o Museu Rural e do Vinho merece destaque. “Não vou negar que me deu um prazer particularmente grande fazer o museu, a Quinta das Pratas. O museu sobretudo porque foi um projeto muito participado que se tornou inesquecível. Foi muito interessante e envolvente e talvez seja o que tem um cantinho no meu coração. As pessoas sentiram o museu como uma coisa sua. Todas essas atividades tinham também um objetivo de natureza económica. Estávamos num concelho rural e o vinho podia ser o motor de arranque para outra fase de desenvolvimento do concelho”.
Nunca se candidatou à presidência da Câmara porque sabia que o marido a iria seguir e a saúde dele não o permitia. Agora mantém-se afastada da ribalta por opção. “Os anos vão passando, a saúde não me permite continuar no mesmo ritmo. Cada tempo tem o seu tempo. Agora é tempo dos mais novos e de nos recolhermos a uma vida mais caseira, mais simples”.
“Do egoísmo e da inveja, acho que nós temos um bocadinho desse perfil de mesquinhez. De ver as pessoas sofrer e a empobrecer. Nem da guerra, das injustiças do mundo, dos conflitos. Nem que uma parte da humanidade escravize a outra parte. Que se destrua o planeta porque é cá que vivemos e é cá que pagamos as consequências”. Maria José Campos
Eu Não Sou
Invejosa, nem injusta. Procuro não ser polémica e não gerar conflitos .
A distância não lhe retira o olhar sobre a cidade que preferia que tivesse continuado a ser “a vila acolhedora que era”. E aponta o que acha que deve ser feito. “Precisamos criar emprego. Estamos a formar uma geração alfabetizada, que atingiu o conhecimento e que pode fazer a diferença. Precisamos de investimento que ajude a criar riqueza e emprego, o resto virá por acréscimo”.
Definindo-se como “uma mulher do conhecimento” não é frequentadora de redes sociais mas utiliza a internet para se manter atualizada, ler notícias e informação. Quanto ao futuro confessa: “Não tenho muito otimismo porque o problema não é só nacional. É europeu e mundial. Os modelos sociais europeus estão em risco de se perder. Não sei o que virá. O Deus mercado está por todo o lado e sobre esse aspeto não sou muito otimista. Vivemos num mundo de profundas contradições. Como é que o homem, com avanços que nunca pensou vir a ter, seja na tecnologia, na medicina, na conquista do espaço está a destruir cada vez mais o planeta e a aplicar práticas de vida marginalizadoras do ser humano. Não consigo ser indiferente”.
“A miséria, a fome, a guerra. Que um homem trate mal outro homem. Que o racismo e a xenofobia imperem, porque isso só nos diminuí como seres humanos”. Maria José Campos
Texto publicado na edição impressa da revista DADA nº48, de fevereiro de 2014