Perfil – Samuel Vieira

39 anos, músico, licenciado em ciências musicais, cantor, solteiro, divide-se entre o Cartaxo e Lisboa

Nasceu em Vale da Pinta. Em boa verdade, conta-nos a sorrir, nasceu em Santarém. “Já não nasci em casa, sou da época em que já se ia nascer ao hospital”. Aos 10 anos já tocava na Banda de Vale da Pinta que os bisavôs ajudaram a fundar e onde avós e pais tocaram toda a vida. Nasceu por isso rodeado de música, mas talvez não tenha sido por isso que se tornou coralista, tenor ou, simplesmente, “cantor” como diz com naturalidade “Acho que a Natureza me encaminhou espontaneamente para aquilo que fugia à regra”, diz, para explicar uma opção de vida que não era a que, eventualmente, a sociedade lhe quereria destinar. Lembra-se de um dia, talvez na segunda classe a professora lhe perguntar qualquer coisa como “o que gostava de fazer na construção civil?”, por ser um trabalho que estaria destinado que viesse a exercer. Impávido Samuel respondeu “professor”. “Mas isso não se enquadra na construção civil”, disse a professora. “Então”, retificou, “quero ser engenheiro”, conta-nos soltando uma gargalhada franca igual à que por diversas vezes ao longo da conversa vai dando. Viveu toda a infância enquadrado no núcleo familiar com mais de uma dezena de primos. E recorda as brincadeiras de rua. “Andei na rua a brincar como todas as outras crianças”, recorda.

A música surgiu antes dos 10 anos. Da parte materna e paterna os avós e bisavós já eram músicos. “ Fiz parte da banda naturalmente, tocava clarinete”, recorda Samuel Vieira. Nessa época chegaram-lhe às mãos, de forma improvável, um conjunto de antigas partituras para piano que passaram a constituir o seu tesouro. Ainda tem hoje grande parte delas guardadas. “Nessas partituras havia música erudita que comecei a explorar. As partituras ajudaram-me muito porque me deram acesso a uma literatura a que de outra forma eu não teria possibilidade de conhecer”.

Aos 20 anos vai para a tropa, para a Marinha, em Lisboa, e considera esse momento da maior importância. Antes, já tinha frequentado o Conservatório de Música, em Tomar, onde estudou piano, mas é a chegada a Lisboa que lhe abre as portas dos grandes espetáculos de ópera que começa a frequentar. E, sobretudo, é o momento da chegada ao Conservatório Nacional onde finalmente começa a estudar canto. Como curiosidade conta-nos que já aos 10 anos cantava no coro da Igreja e que soube há pouco tempo que o padre Américo Cabeleira tinha confidenciado, nessa época, que havia “um menino que cantava muito bem” em Vale da Pinta. “Na altura nem suspeitava disto mas esta história foi-me revelada há pouco tempo”. Ao fim de pouco mais de dois anos, por ocasião do Centenário da morte de Verdi foi convidado para cantar numa sessão de homenagem ao compositor. É o começo da carreira. No local onde foi cantar pela primeira vez começa a ter noites fixas para cantar e tornou-se profissional. Esteve então em algumas companhias de ópera. Começa a percorrer palcos de norte a sul do país. As primeiras óperas foram “O Elixir do Amor”, de Donizetti e o “Barbeiro de Sevilha”, de Rossini, mas participou em muitas mais como coralista e como solista. De seguida dá-se o grande salto da carreira e chega à companhia do São Carlos. Para um cantor, este é o ponto alto de uma carreira. No São Carlos, Samuel Vieira cantou de tudo um pouco em todos os lugares do elenco.

Otimista e pragmático, Samuel Vieira vê-se a cantar, independentemente da idade, enquanto tiver voz. “Enquanto a voz der não há limite”. Do que fala com mais descontração é dos cuidados que possa ter para cuidar da voz. Quando pensamos em truques especiais para cuidar da voz revela-nos garantindo que “mais do que truques para preservar a voz tenho as preocupações normais. Não tenho que inventar. Há pessoas que têm um excesso de zelo. Temos sobretudo de nos conhecer. Temos de saber o que nos faz bem ou faz mal. Temos que nos conhecer porque o que faz bem ou mal a uma pessoa pode não fazer a outra. Eu, por exemplo, não posso estar sujeito a um ar condicionado. E antes de cantar tenho de me deitar cedo. Uma semana antes de cantar tenho cuidados especiais com a alimentação cortando por exemplo com os produtos lácteos que são terríveis para a voz, mas não faço mais que isto”.
eu sou
Uma pessoa interessada. Exigente e incansável.

eu gosto
Do meu espaço que é onde tenho tudo o que preciso. Da partilha e da transmissão de conhecimento. De sair. De praia e de exotismo. De comer bem, obviamente. Gosto das novas tecnologias.

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eu quero
Que as coisas sejam menos complicadas. Que haja menos egoísmo e mais abnegação.

eu não sou
Frio nem distante. Inacessível, ou insensível com qualquer meio que me rodeie. Embora seja consequência do meu próprio percurso, não sou adepto da construção social.

eu não gosto
Da intromissão ou da invasão do meu espaço. Não gosto de perder tempo.

eu não quero
Ser impedido daquilo que é a minha própria natureza, como deixar de praticar a música, ou deixar de transmitir a generosidade da música, ou o próprio conhecimento.

Isuvol
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